Considerava seus amigos perfeitos, sua família muito boa e seus problemas oportunidades de melhorar como pessoa. Era uma boa pessoa. De tantas e todas as forma que alguém pode ser uma boa pessoa.
Sua irmã ficou doente. A família só se lembrava da irmã e dos problemas e ninguém tinha tempo para ela. Quando tinha, era tempo para brigar. Aprendeu a ficar no seu canto. O melhor dos amigos abandonou e decepcionou de um modo que até hoje não se sabe se é possível ser feito. Aprendeu a não contar muito com outras pessoas. Alguns amigos a vida foi impondo distâncias, outros vacilaram, outros sabe-se lá o que aconteceu. Sumiram, um a um. Aprendeu a se virar sozinha. Garotos traíram, ela, suas amigas e toda sua crença no amor. Aprendeu a não se apaixonar. As brigas em casa não tinham fim, o diálogo não fluía. Aprendeu a ficar quieta. Terminou a escola com mérito, entrou na faculdade que queria. Ninguém reparou. Aprendeu a não sonhar.
Fé é solúvel? Igual café em pó?
Pois em meio a tudo, ela se esqueceu de rezar. Esqueceu também quando se esqueceu.
(E, pelo visto, é a única coisa que se esqueceu com sucesso, em anos...)
Por favor, não me analise
Não fique procurando
cada ponto fraco meu
Se ninguém resiste a uma análise
profunda, quanto mais eu!
Ciumenta, exigente, insegura, carente
toda cheia de marcas que a vida deixou:
Veja em cada exigência
um grito de carência,
um pedido de amor!
Amor, amor é síntese,
uma integração de dados:
não há que tirar nem pôr.
Não me corte em fatias,
(ninguém abraça um pedaço),
me envolva todo em seus braços
E eu serei perfeita, amor!
Do livro "Bom dia amor!", 1990.
Mirthes Mathias.