sábado, 7 de junho de 2025

Aqui ainda. (Depois dos 30)


“Eu tinha medo de envelhecer, pois achava que não seria capaz de fazer todas as coisas que desejava, mas agora que sou mais velha descubro que não quero fazê-las.”
— Lady Nancy Astor


 

Achei que depois dos trinta eu ia saber.
Saber o quê? Tudo.
Ou pelo menos o suficiente para não tremer tanto quando as certezas ficassem tortas.

Mas os trinta chegaram como quem bate à porta e entra sem pedir, sujo de barro, e se senta na minha sala como se fosse dono da casa.
Vieram com boletos, silêncios mais longos, amigos que já foram e outros que ficaram mas não tanto assim.
Vieram com um corpo que já não responde tão rápido, com espelhos que me olham de volta com mais dureza — ou seria mais verdade?

Tenho medo.
Medo de não dar tempo.
De não acontecer.
De ser tarde demais para recomeçar ou cedo demais para desistir.

Os vinte eram barulhentos. Os trinta sussurram.
E no sussurro, escuto mais os ruídos que vêm de dentro:
a voz que pergunta se escolhi certo,
se estou onde deveria,
se existe mesmo esse lugar chamado “deveria”.

Tem noites que durmo como criança exausta; tem outras que o travesseiro me afoga em listas de tarefas que não fiz, sonhos que empilhei como papel amassado no canto de alguma gaveta.

Mas tem também alguma coisa nova.
Talvez seja força.
Ou cansaço.
Ou essa coragem mansa de seguir mesmo com medo — não mais esperando não senti-lo, mas segurando sua mão com firmeza e dizendo: "ok, vem comigo."

Depois dos trinta, não tem mais aquela urgência juvenil de ser extraordinária.
Tem só o desejo tranquilo de ser inteira.
Mesmo aos pedaços.



.

👀


(Era isso ou uma trend do tiktok...)

sábado, 18 de maio de 2024

Contra intuição traumática

 Parece contra intuititivo. Até entender como o cérebro funciona, o cérebro só está tentando dar sentido às coisas. algumas vezes o mundo é muito bonito, sabe? 

A risada de uma amiga, um bebê recém nascido  segurando seu dedo..


Só que a vida também é muito frágil, você pisca e ela já se foi. 

Quando se encara o horror, a nossa mente transforma o trauma em uma história pra dar algum sentido. Mesmo que não faça sentido.


Então por que a sua mente diria que o mundo é mal? Porque o mal quer dizer que o seu medo estava certo. O mal te dá a opção de desistir. 

Mas acreditar que todos temos a capacidade de sermos heróis, não importa o quanto o mundo pareça mal é mais difícil. 

Porque isso significa que quando o pior acontece nós temos a opção de agir, nós podemos escolher ajudar. E é isso o que as pessoas fazem o dia todo, no mundo inteiro. 

Então o mundo é escuro? Claro... mas existe luz, existe muita luz. Você só tem que abrir os olhos e enxergar.

terça-feira, 12 de janeiro de 2021

E se eu conseguisse pôr pra fora, igual antigamente? Será que ainda faria alguma diferença?
Já pensei ser ilha, considerando a solidão. É solitário ser só, por mais óbvio que isso soe.

Hoje, me vejo como represa. Tantos e vários sentimentos que precisam transbordar - mas a comporta não tem compostura ou sutileza alguma.


Primeiro foram os amigos. Ou outro nome que os definam de maneira mais acertada. Um a um. Ela só. Sem outras referências afetivas e acumulando lutos, tentou a chamada família escolhida.

Lutou bravamente.

Brava é ela.

Dedicou todas suas fibras à essas amizades unilaterais.

Acreditava que ficar sozinha era o perigo maior.

Não era.


Aí veio o vazio. Mas buscou novamente. Em nichos diferentes, festas esquisitas. Procurou incansavelmente. Preparou surpresas e fez até tatuagem.

Não deu de novo.


De alguma maneira, de forma misturada, também teve o abortamento. Com diversos planos abortados, decidiu que com uma só era mais simples. Sentiu força ao poupar outrém.


Rodou o mundo, convenceu culturas novas. Também conheceu. Jogou sujo só para que desconfiassem. 

Parecia que tinha retornado, enfim.


E foi o fim. As surras literais dessa vez foram demais. Sem apoio, sem corda junto ao cais.


Lembra que ela detestava rimas?





"Eu sei que sou pesada, triste, dramática, neurótica, louca, insatisfeita, mimada, carente. Mas você se esqueceu da minha maior qualidade: eu sou só."  
Tati Bernardi


Não sei se voltei, não...

terça-feira, 23 de janeiro de 2018

Tudo bem?

- Tudo bem? - Você perguntou.

E eu respondi que sim.
E doeu.

Porque nenhuma outra vez que eu fui sincera obtive reações positivas. Ou mesmo razoáveis.

Então estou.
Qualquer hora fico.
Ou vou.

sábado, 24 de setembro de 2016

Estupro.

Estupro é o crime mais tolerado do mundo.

Vocês não se importam com mulheres vítimas de estupro. Pelo contrário, vocês nos culpam.

Alguns culpam por ter denunciado. Outros culpam por não ter denunciado. Muitos sequer acreditam que o crime ocorreu.

A maioria das pessoas acha que é culpa da vítima, seja lá de quê forma.
Pode ser porque ela bebeu. Pode ser porque ela gostava de dançar, pela escolha de caminho feita ou pela sua orientação sexual.

Vocês inventam que um embrião ou um feto valem mais que uma mulher adulta, então se ela pensar em abortar, ela é uma assassina.
Já foi comprovado pela ciência como pode ser horrível para uma vítima de estupro passar posteriormente por uma gestação mas vocês também ignoram isso.

Grande parte das vítimas de estupro que engravidam buscam por aborto clandestino. Mesmo em países onde é permitido por lei interromper gestação provocada por estupro.
Muitas morrem por causa disso.
Porque é burocrático. Porque nenhuma pessoa deveria ser obrigada a reviver um trauma.
Mas vocês não se importam com isso, preferem se entitular "pró-vida" e serem coniventes com o massacre diário.

O crime cometido contra mim há sete anos atrás me trouxe consequências severas, como até mesmo perder emprego. Consequências potencialmente infinitas.
Ninguém se importa se você teve uma lembrança no meio do expediente. É mais fácil te mandar embora.
Isso fora os remédios. Fora as internações.
Nunca ninguém me ofereceu ajuda para arcar com os custos do tratamento.
Nunca ninguém me parabenizou por ter me formado na faculdade ou realizado um intercâmbio voluntário mesmo diante disso.
Se é que não estou fazendo drama, não estou fazendo nada mais que a minha obrigação.
É o que dizem.

Falar de cultura de estupro (a qual incontáveis acéfalos insistem em dizer que não existe) é falar de mim.
Sou a vítima perfeita do patriarcado.

Vocês tentaram me matar.
Repetidas vezes.
Mas eu não morri.
Permaneço aqui. E vou escancarar o ódio de vocês, custe-me o que custar.

Estupro é o crime que não acaba quando termina.

Quando você ignora vítimas de estupro, você é cúmplice.
Quando você é contra o aborto, você é cúmplice.
Quando você sabe que pouquíssimos estupradores são condenados e permanece sem se posicionar sobre isso, você também é estuprador.

E numa semana horrível como essa, só me faltava mesmo ver até "feminista" compartilhando texto de macho fetichizando a vida sexual de vítima.

Estupro é o crime mais celebrado do mundo.

#ProjetoHisteria #AhistoriaDela

domingo, 24 de abril de 2016

Importando

Mudei muito nos últimos três anos. Aspirações, interesses e relações. Até de país! Mas uma coisa que não se alterou nem um pouco é meu fascínio pelas relações humanas. Não entendo porque alguém pode manter vínculo com uma pessoa que declara não suportar. Ou como funcionaria esse processo de, de repente, ser indiferente com quem já se jurou lealdade eterna...

Adoro aquela máxima que diz que em tempos de ódio, é bom andar amado. É muito raro eu excluir alguém do meu Facebook porque é muito difícil concluir que alguém pode não ter nada de bom pra me oferecer. Uma coisa que definitivamente não sou é maniqueísta. Por isso também acabo me chateando quando um amigo se afasta. Eu tenho muito carinho por todo mundo. Ou quase. Porque eu tenho a certeza que só sou quem eu sou porque você é quem você é. E entre contradições e imperfeições, sou muito grata e orgulhosa de mim.

E estou aqui, divagando nesse domingo (dia oficial!) e citando até ubuntu porque queria te perguntar: como você está se sentindo hoje?

sexta-feira, 4 de março de 2016

Política da falta de empatia

Essa madrugada vi muito ódio de pessoas que são contra a descriminalização do aborto. Agora, sem saco pra acompanhar os "fora PT" comemorando algo que desconheço como se fosse dia de jogo do Corinthians, por acaso fui ver o documentário sobre o sequestro do ônibus 174.
E é tudo tão simbólico, interligado e de uma lógica doentia...

Vocês defendem que fetos não desejados se transformem em crianças geradas num berço de desprezo.
Vocês são favoráveis à penas absurdas e torturas quando possivelmente essas crianças crescem e, por nunca terem sido cuidados, cometem crimes.
Vocês discursam aberta, parcial e inescrupulosamente contra o primeiro presidente que teve a decência e a coragem de olhar pro pobre. XVocê chama os assistidos pelas políticas públicas de vagabundos.
Quando houve a chacina na candelária, concordaram que àquelas crianças deveriam ter sido mortas à sangue frio mesmo. Vocês aplaudem e tiram até selfie com uma das polícias mais despreparadas e assassinas do mundo. E então vocês se dizem chocados com a violência no Brasil quando um menino que passou por todas as violências que VOCÊS APOIAM acaba reivindicando voz e vida em plena zona sul. Vocês o assassinam, por fim, ao vivo em rede nacional!
:(

sexta-feira, 26 de junho de 2015

Vitória boa é colorida

Há quem reclame da hipocrisia de quem mudou aí a foto de perfil do Facebook mas ainda usa "bicha" como ofensa. Existe a crítica naquela linha estados-unidos-do-mau-capitalismo-opressão, que embora bastante válida, pode atrapalhar as comemorações que também são necessárias.

Mas é que hoje o amor venceu.

Esse texto poderia simplesmente não ser positivo.
Eu poderia ignorar o avanço que foi feito hoje nos Estados Unidos, ao aprovarem o casamento entre pessoas do mesmo sexo em todos os estados e falar sobre o quanto ainda se mata e ainda se morre por conta desse assunto.

Mas eu quero - eu preciso! - comemorar.

Hoje o amor venceu.
Uma pequena - mas importantíssima - batalha foi vencida.
A guerra ainda está aí: na heterossexualidade compulsória, nos pais que reprimem seus filhos desde pequenos, na "família tradicional" que se incomoda com beijo "gay" na mesma novela que mostra violência e sexo explícitos, nas piadinhas, nas pessoas que não deixam a amargura de lado nunca.

Entretanto, qual seria o sentido da luta se não comemorássemos quando ganhamos?
São também essas pequenas vitórias que transformam tudo.

A complexidade humana é isso: raríssimas coisas são tão preto no branco.
Existem muitas tonalidades a se explorar, respeitar e valorizar.

Mas hoje o amor venceu e eu escolho ver as coisas com o máximo de cores possíveis.

sábado, 7 de março de 2015

Depois do amor

Aqui nesse mesmo espaço onde compartilho todo tipo de coisa que passa pela minha cabeça, já falei muitas vezes sobre respeito aos ex-amores. Sou repetitiva, isso não é novidade. Mas muito da minha poética repetição vem da capacidade de, um belo dia, do nada, descobrir um novo ponto de vista perante uma situação. Se por vezes parece impossível mudar de opinião, ao menos, é sempre muito possível se posicionar sobre uma perspectiva diferente.

E justamente por ser ele, que me mostrou tantas maneiras novas de enxergar o mundo, que me sinto na obrigação de registrar mais uma vez o que sinto, em palavras. Aqui.

Quando me perguntam dele, a resposta mais simples costuma ser sempre minha aposta. Concordo, com muito respeito, com quem dizia nos achar um casal fofo mas sempre acrescento que ele me enlouquecia. E eu o enlouquecia de volta, não poderia deixar de admitir. Fazíamos cenas horrorosas, cheguei a sair do carro em movimento em meio à uma discussão e lembro exatamente da minha decepção quando, na quinta ou sexta vez que saímos juntos, percebi que ele não esperava eu sequer colocar a chave no meu portão antes de partir com o carro.
Éramos bizarramente diferentes. Entretanto, aposto que era isso que nos atraía um ao outro.

Entre todos meus textos sobre caras que nunca performaram o que sempre esperei de romances e relacionamentos, finalmente entendi porque ele é um dos meus personagens-reais prediletos: tudo o que já escrevi sobre ele foi real.

Quando eu falava entre dentes, daquele jeito ridículo que se age quando estamos nos apaixonando, não estava fazendo tipo. Eu, que sempre fiz a linha viciada em comédia romântica que vive ensaiando para apresentar aquela cena de arrancar suspiros, com ele sempre improvisei.

A resposta para o fim do relacionamento também sempre "não deu certo, não iria dar certo".
Mas isso é mentira. A verdade é que nossas diferenças como casal nunca me fizeram perder a admiração que tenho (sim, no presente!) pela pessoa que ele é.

Não sou capaz de lembrar de nenhum tema com o qual concordamos - de política à astrologia -, mas recordo com extremo carinho da absoluta delicadeza com a qual sempre me tratou e do conforto que me proporcionava.

Se eu sabia que jamais funcionaríamos como casal cada vez que tecíamos considerações sobre planos de vida para família e limites pessoais, e nunca quis assumir compromisso com ele, compenso ao destacar que na nossa relação nunca houveram mentiras e ilusões. Tivemos nosso tempo muito bem acertado, ao contrário do que já pareceu. Só o fim que se enrolou, provavelmente porque é muito difícil mesmo, para qualquer um, abrir mão de uma boa parceria.
Exatamente, ele foi meu parceiro. Exímio.
Me encorajava a correr atrás dos meus sonhos, apontava com paciência quase pedagógica o que eu poderia melhorar e desbravou o mundo comigo.
Em uma noite solitária, meses após o término oficial, me ouviu desabafar dificuldades da vida e me ofereceu mais que dinheiro: me deu esperança.

A minha primeira vez mais importante foi com ele;
Foi a primeira vez que coloquei meus pés frente aos pés de outro alguém e senti que podia pisar ali com firmeza, que era um cantinho seguro em meio à tantas armadilhas que encontramos pelo mundo afora.
Ele me ofereceu apoio de todas as formas possíveis, algumas que eu nem sabia que existiam.

Dividimos além de apelidos, era um bem-querer recíproco. Ainda é, ao menos da parte que me compete.

Eis então que ele entrou na igreja para eternizar amor e união. Também cheguei a escrever uma ou duas bobagens sobre a pessoa com a qual ele dividiu aquele momento no altar. Acredito que ninguém seja totalmente imune à sentir a tão famosa dor de cotovelo num momento desses, afinal. Mas agora já é possível distinguir que foi mera reação de choque, essas que qualquer humano sentiria.
Quem se importa com minha opinião sobre o vestido da noiva quando estamos falando de um ritual tão bonito quanto o matrimônio?

Casamento é sobre muitas das coisas que aprendi com ele: respeito, amor, comprometimento e intimidade. Ele não mereceria menos.

Honra é o que sinto ao escrever esse texto e é com o coração tranquilo que posso, enfim, aposentar o ele como personagem que saiu do livro com dignidade e construiu um felizes para sempre próprio, sem se tornar vilão.
A história aqui ainda promete muita aventura, lágrimas, pé na bunda e beijo na boca, e a graça é que ninguém é capaz de prever se terminará com essa donzela-que-de-indefesa-não-tem-nada encontrando um par ou só encontrando a si mesma - o que, por Deus!, já seria incrível o suficiente.
Porém, na necessidade de uma moral da história, pode-se destacar que ela reservou um espaço no meio dessa pseudoautobiografia pra atualizar esse agradecimento à quem agregou muito ao participar do enredo.
Para avisar que é um sentimento muito bom saber que ele disse "sim" para uma bela moça de branco que afirmou positivamente de volta.

Divido com ele, então, uma última coisa: felicidade em vê-lo feliz.



”O amor é a única coisa que cresce à medida que se reparte” 
(livro O Pequeno Príncipe)

quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Poder patriarcal ou-presidencial

Eu sou meio de esquerda, como um dos meus autores favoritos, o Antônio Prata. Mas não sou nada intelectual. Nascida em uma família de estudiosos, saí completamente às avessas. Amo ler, mas só quando estou a fim. E por favor, não me apareça com livros grossos e filosóficos (and teóricos)) quando posso reler pela milésima vez Harry Potter e as Relíquias da Morte. Sou extremamente perfeccionista, mas o grande desafio é me fazer levantar da cama. Sou feminista também, o que me coloca muitas vezes em posições complexas quanto à predileção por alguém que exerce poder sobre mim, como citado no início desse texto.

Três dias após a reeleição de Dilma, venho discutindo cada vez mais sobre política. A verdade é que eu não curto política, mas acredito absolutamente na máxima "se você não gosta de política, será governado por quem gosta". Ou algo assim. Então vez ou outra você vai me ver esmiuçando teorias por aí. Mas sou completamente uma pessoa de prática. Marthinha me pegou perfeitamente quando afirmou que fatos revelam tudo, atitudes só confirmam (E o que se diz - com todo o respeito - é apenas o que se diz).
Há teorias, inclusive, que eu deveria ter seguido carreira na área de exatas. Mas isso são só teorias, é claro. Embora esteja claro que eu amo uma boa e velha referência. Mas aí é só pra embasar e deixar mais bonito o que se faz.

Meu interesse supostamente tardio por discutir política após passadas às eleições tem um motivo muito claro: eu não suportaria ver um agressor de mulheres na Presidência do meu país.
É isso.
Claro, também tenho algumas coisas que admiro profundamente em Dilma. O passado dela faz meu coração vibrar, discretamente que é para não soar petralha demais. Como presidenta (e o choro é livre!), minhas críticas são bem maiores. Ainda assim, o plano econômico dela me assusta. Me assusta porque como qualquer pessoa que vive nesse mundo (capitalista), também gosto de ganhar dinheiro. Também me considerei traída perante algumas falas homofóbicas e retrocessos em políticas de reprodução. Não que eu tenha qualquer dúvida de que Aécio seria incrivelmente pior nesses aspectos. Os de humanidade, eu digo, porque economia, hm, talvez ele se saísse bem. Talvez.
Mas eu sou mulher.
Minha mãe foi vítima de violência doméstica, assim como a esposa do meu pai que veio antes da minha mãe.
Cresci numa sociedade patriarcal onde eu fui erotizada quando nem desconfiava o que aquilo significava.
Por fim, sofri todo tipo de abuso que uma mulher pode sofrer.
Mas o que me deixa mais assustada, mais incomodada, é que eu estou longe de ser exceção.
Violência contra a mulher é institucionalizada.
E como dizem por aí, o pessoal é político.
Cada notícia de feminicídio, cada assédio que sofro ou presencio, cada estupro coletivo que chegam ao meu conhecimento me afetam. Porque poderia ser comigo. Isso é sobre mim.
Posso ter deficiência de conhecimento teórico feminista, sim, mas eu sei o que é ver uma agressão que nunca será denunciada ser digerida como normal pela própria vítima. Sei o que é duvidarem da denúncia quando ela é feita. Sei da culpa e da vergonha que serão carregadas pra sempre.
Sei, então, que preciso fazer algo a respeito.

Há quem diga que "atitudes da vida pessoal do candidato não deveriam ser levadas em consideração". Eu discordo.
Passo mal só de ouvir falar o nome de algum filme do Woody Allen. Porque consigo entender como Dylan se sente, como ela passa a maior parte dos seus dias fingindo que a violência terrível que ela sofreu não tenha tido tanta relevância.
Não quero que ninguém precise passar por experiências traumatizantes para entender quão desrespeitoso é dar qualquer crédito a quem feriu a alma de outra pessoa.
Acredito em direitos humanos e ressocialização de condenados à crimes, mesmo os hediondos, mas acredito que seja importante considerar o conforto da vítima sobrevivente.
Acredito mais em humanidade do que na humanidade, sabe?

Por tudo isso, fiz questão de ir à votação com uma camiseta escrito o que repeti nas redes sociais: não voto em quem bate em mulher. Não pra ser presidente da república. Não quando tantas mulheres são torturadas rotineiramente e ninguém se importa. Não quando poderia ser comigo. Não agora.

Tenho algumas dúvidas quanto à capacidade de Aécio governar bem, mas o resultado das eleições apenas representou a minha maior certeza: o poder dos misóginos está diminuindo.

Só a luta muda a vida.