Dê seu coração a ele, e ele lhe dara o dele. É realmente muito simples, mas, mesmo assim, nós humanos, tão mais sábios e sofisticados, sempre tivemos problemas para descobrir o que realmente importa ou não. De quantas pessoas você pode falar isso? Quantas pessoas fazem você se sentir raro, puro e especial? Quantas pessoas fazem você se sentir extraordinário?
Estava chovendo. Sim, faz muito tempo e qualquer um dirá que é impossível que eu me lembre, mas sei que estava chovendo. Ele chegou quase que embrulhado pra presente, pagamento da promessa da minha mãe que jurou que me daria o que eu quisesse se parasse de chorar. Com toda minha desenvoltura de dois anos de idade, pedi por um cachorro. Chegou algum tempo depois, num sábado chuvoso e eu brinquei com ele até dormir de cansaço. No dia seguinte, bem cedo na manhã do domingo, o batizei de Xuxo. Oras, meus ídolos infantis não era muito bons mesmo, mas com dois anos e fã da Xuxa, achei que era uma baita homenagem ao meu novo amigo peludo.
Digo amigo e me lembro de todos meus ideais, valores e princípios que me fazem enxergar a amizade como algo eterno. Para mim, amizade transcende. E não há discussão, diferenças ou competição que a faça acabar. Ao menos não se ela for verdadeira.
Xuxo era mais que o mascote e o segurança da casa. Sim, ele era mimado por todos, até por quem não fazia parte da família e latia quando algum estranho cheva em casa. Mas isso era só o seu instinto.
Xuxo era meu amigo. Me lambia no rosto, corria pra mim quando eu chegava em casa e nunca, nunca saiu do meu lado.
Xuxo ouviu todos meus dramas infanto-juvenis. Ouvia e ouso dizer que me aconselhava com seus olhares. O olhar dele sempre foi seu ponto forte. Foi por causa do olhar dele que decidi que ele não tomaria mais banho fora, porque ele visivelmente detestava. Foi pelo olhar dele que eu sabia quando ele estava doente, quando ele estava assustado, quando ele só estava fazendo manha.
Eu o conhecia muito bem.
Foi pelo olhar dele também que eu entendi que ele queria ir embora. Ele tinha acabado de sair do banho, eu o secava, ele virou a cabeça desconfortavelmente para mim e pediu. Eu não aceitei, é claro que não. Como poderia? Não, ele ia lutar. Ele ia ser forte como foi a vida toda e ficaria mais tempo. Eu precisava disso.
É irônico, né? Um bicho tão egoísta como o ser humano resolver ter como companheiro uma raça tão pura e superior.
Eu pensei em mim, na falta que ele faria, em como seria não escutar os latidos dele, me gabar das peripécias dele e com quem eu desabafaria.
Não, ele não podia me deixar. Que tipo de amigo é esse que me abandona depois de 17 anos?
Foram mais de 17 anos com o mais leal dos companheiros. Foram pouquíssimas horas de sono, muita preocupação, muitos remédios e muita dor durante essa semana inteira - de ambas as partes. Então, num sábado a noite chuvoso, após três convulsões e muitas lágrimas, tive que tomar a decisão mais difícil da minha vida. É horrível, mas acredito ter feito o melhor, evitando o sofrimento de um espírito que jamais mereceria o prolongamento disso. Meu cachorro, meu melhor amigo e ouvinte por praticamente a vida inteira, vai descansar para sempre. E eu já estou com muita, muita saudade.
Um cão não é 'quase humano', e não conheço maior insulto à espécie canina do que descrevê-la como tal.
John Holmes
John Holmes
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