sexta-feira, 28 de março de 2014

#EuNãoMereçoSerEstuprada



Se checarem as últimas postagens, podem acreditar que entraram no blog de uma das mais radicais feministas. Mas o que seria radical no feminismo? A ideia de que mulheres são gente?

Nunca vou cansar de dizer o quanto o feminismo me salvou. É evidente até mesmo aqui pelas postagens no blog quantas experiências traumáticas eu já vivenciei. Tanto que primeiramente encontrei refúgio apenas nas palavras, porque no mundo tátil nunca houve ninguém para me confortar.
O feminismo foi o primeiro lugar onde eu fui ouvida, respeitada e acolhida. Acredito que isso salve vidas.

Nunca quis também ser conhecida apenas por uma causa, seja ela qual fosse. Ideais, sim. Mas ninguém quer ser a feminista louca. O vegan chato. O esquerdista lunático.
Vivemos em um mundo que todos querem dar opinião sobre tudo mas ninguém aceita a de ninguém.
Participamos de uma sociedade com números alarmantes de depressão, transtornos, distúrbios, tendências suicidas justamente por ser uma sociedade doente mas qualquer um que assuma esse tipo de problema acaba destinado à exclusão social e julgamentos morais.
Gosto sempre de pedir para que cuidemos mais um dos outros. Só isso. Empatia, respeito, solidariedade. Não dói, não custa e salva vidas.
Quanto vale uma vida pra você?

Pensei em registrar nesse texto, aproveitando o tema inicial, os dados de casos de violência sexual. Numa semana em que constatou-se através de pesquisa que as feministas não são loucas e que tem muita gente que justifica violência por aí, não parecia repetitivo expôr esses números. Mas daí vi novamente o quanto somos sozinhos - até mesmo nas nossas lutas.

Por aqui, vocês podem até dizer que um decote ou uma minissaia seja provocação, mas do outro lado do mundo, onde mulheres usam burcas, eles dizem que é o rímel. Na verdade, o patriarcado sempre colocará a culpa na mulher. A mulher que não estava completamente agasalhada mesmo em um dia que o termômetro atingiu quarenta graus, a mulher que confiou, a mulher que respondeu, a mulher que saiu de casa. A mulher é culpada porque ela é o alvo. E só.

Qual é essa relação sugerida entre expôr uma parte de corpo e "merecer" respeito? Não devíamos sempre partir do pressuposto que todos nós, seres humanos, somos iguais e merecemos respeito e direitos iguais? Por quê a escolha das minhas vestimentas deveria ser responsabilidade de outra pessoa que não eu mesma? E por que essa escolha deveria resultar ou não em sofrer uma violência? Isso não me parece civilizado. É barbárie.

Ainda que as respostas para os questionamentos acima fossem diferentes do que entendemos como respeito, temos outros problemas. Esqueça o mito de que estupradores são seres que vivem no esgoto e espreitam becos esperando uma jovem bela e indefesa passar pelo suposto lugar errado. Isso pode ser um bom enredo de filme, mas não é muito condizente com a realidade. Estupradores estão aí. Eles trabalham, estudam, namoram, tem mãe, pai, irmã e cachorro. São amigos, tios, pais, irmãos ou colegas de trabalho. Ao menos 75% deles.

Estupro não tem a ver com sexo ou atração. Estupro se trata de poder, de humilhação, de impôr uma vontade sobre outra pessoa que não pode se defender. Estuprador é o pedófilo, mas também é o amigo que embebedou a vítima para levá-la pra casa e colocá-la em uma situação que ela não poderia consentir. Estuprador também é o homem que não estupra, mas faz piada. Estuprador é o responsável pelo estupro e o único responsável pelo estupro é quem tenta justificar algo tão grotesco. É exatamente isso que legitima a ação. O estupro só acontece porque a sociedade é conivente com ele.

Mas diante do resultado da pesquisa do IPEA, onde verifica-se que 65% das pessoas acreditam que mulher que mostra o corpo merece ser estuprada, viemos falar que o 35% que discorda, DISCORDA COM VEEMÊNCIA.

Uma mulher que mostra o corpo (quanto do corpo? qual parte? em qual ocasião? quem decide isso?) não merece ser estuprada. Uma mulher que não mostra o corpo não merece ser estuprada. Quem bebe, não merece ser estuprado. Quem pratica yoga, não merece ser estuprado. Porque ninguém merece ser estuprado. Nunca, de jeito nenhum, em nenhuma circunstância. Ninguém merece ser estuprado.
Nem você, que concorda com violência, merece.

Assim como estupradores são seres humanos comuns, suas vítimas também o são. São suas chefes no trabalho, suas colegas de faculdade, sua melhor amiga. Ou até mesmo você. Admitir-se estuprada é tão difícil quanto passar pela experiência. Quando falei publicamente da agressão sexual que sofri, pude confirmar isso: meu e-mail, meu twitter e meu facebook pipocou de relatos de outras mulheres, muitas amigas minhas, contando seus próprios traumas.

A gente precisa lutar contra o estupro, combatê-lo, mas para isso precisamos nos unir.

O protesto não é sobre falar para homens não estuprarem. Homens não devem estuprar e todos sabem disso, até estupradores, imagino. Mas as mulheres precisam saber que por mais que tentem justificar, nenhuma violência é aceitável. Nada justifica alguém invadir seu direito de escolha e seu corpo. Numa sociedade onde mulheres são vistas como propriedade de homens, esse protesto se tratas do que as mulheres acham de tudo isso, porque o assunto é sobre a gente, nossos corpos. É sobre mulher ter voz.
Um protesto sobre mulheres, para mulheres. Se querem passar a mão na cabeça de estuprador, é um problema que abordamos outra hora, de outra maneira. O ponto aqui é que não aceitamos essas justificativas e o silenciamento. Nunca mais.

"Só por isso" o protesto. Para afirmarmos para quem ainda tem dúvida de que meu corpo não é público e só eu posso tomar as decisões que o envolvem. Coloquei uma folha sulfite sobre meus seios e tirei uma foto. Por quê alguém se sentiria ofendido por causa disso? Ofendida fico eu de não poder tirar a foto mostrando-os de fato, porque eu poderia ser ainda mais apontada na rua, julgariam meu caráter e o facebook removeria a foto porque isso não está de acordo com os termos de uso, que permitem a exibição de um peito desnudo se for de um corpo masculino. A única razão do protesto é estarmos - por motivos óbvios - insatisfeitas por ainda não sermos livres.

Hoje ficará marcado como MAIS UM DIA de LUTA.
#EuNãoMereçoSerEstuprada #NinguémMereceSerEstuprado #NÃOéNão #MeuCorpoMinhasRegras #VaiTerQueRespeitar



Ps: Não faz o menor sentido você se admirar com a força e capacidade de superação de vítimas, se acredita que "se as mulheres se comportassem melhor elas não seriam estupradas". Quem tem que se comportar melhor é quem estupra.

Ps²: Se você continua reprovando o protesto, recomendo que dê uma olhada no tipo de violência que sua opinião promove: aqui.

Ps³:

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