- Tudo bem? - Você perguntou.
E eu respondi que sim.
E doeu.
Porque nenhuma outra vez que eu fui sincera obtive reações positivas. Ou mesmo razoáveis.
Então estou.
Qualquer hora fico.
Ou vou.
terça-feira, 23 de janeiro de 2018
sábado, 24 de setembro de 2016
Estupro.
Estupro é o crime mais tolerado do mundo.
Vocês não se importam com mulheres vítimas de estupro. Pelo contrário, vocês nos culpam.
Alguns culpam por ter denunciado. Outros culpam por não ter denunciado. Muitos sequer acreditam que o crime ocorreu.
A maioria das pessoas acha que é culpa da vítima, seja lá de quê forma.
Pode ser porque ela bebeu. Pode ser porque ela gostava de dançar, pela escolha de caminho feita ou pela sua orientação sexual.
Vocês inventam que um embrião ou um feto valem mais que uma mulher adulta, então se ela pensar em abortar, ela é uma assassina.
Já foi comprovado pela ciência como pode ser horrível para uma vítima de estupro passar posteriormente por uma gestação mas vocês também ignoram isso.
Grande parte das vítimas de estupro que engravidam buscam por aborto clandestino. Mesmo em países onde é permitido por lei interromper gestação provocada por estupro.
Muitas morrem por causa disso.
Porque é burocrático. Porque nenhuma pessoa deveria ser obrigada a reviver um trauma.
Mas vocês não se importam com isso, preferem se entitular "pró-vida" e serem coniventes com o massacre diário.
O crime cometido contra mim há sete anos atrás me trouxe consequências severas, como até mesmo perder emprego. Consequências potencialmente infinitas.
Ninguém se importa se você teve uma lembrança no meio do expediente. É mais fácil te mandar embora.
Isso fora os remédios. Fora as internações.
Nunca ninguém me ofereceu ajuda para arcar com os custos do tratamento.
Nunca ninguém me parabenizou por ter me formado na faculdade ou realizado um intercâmbio voluntário mesmo diante disso.
Se é que não estou fazendo drama, não estou fazendo nada mais que a minha obrigação.
É o que dizem.
Falar de cultura de estupro (a qual incontáveis acéfalos insistem em dizer que não existe) é falar de mim.
Sou a vítima perfeita do patriarcado.
Vocês tentaram me matar.
Repetidas vezes.
Mas eu não morri.
Permaneço aqui. E vou escancarar o ódio de vocês, custe-me o que custar.
Estupro é o crime que não acaba quando termina.
Quando você ignora vítimas de estupro, você é cúmplice.
Quando você é contra o aborto, você é cúmplice.
Quando você sabe que pouquíssimos estupradores são condenados e permanece sem se posicionar sobre isso, você também é estuprador.
E numa semana horrível como essa, só me faltava mesmo ver até "feminista" compartilhando texto de macho fetichizando a vida sexual de vítima.
Estupro é o crime mais celebrado do mundo.
#ProjetoHisteria #AhistoriaDela
Vocês não se importam com mulheres vítimas de estupro. Pelo contrário, vocês nos culpam.
Alguns culpam por ter denunciado. Outros culpam por não ter denunciado. Muitos sequer acreditam que o crime ocorreu.
A maioria das pessoas acha que é culpa da vítima, seja lá de quê forma.
Pode ser porque ela bebeu. Pode ser porque ela gostava de dançar, pela escolha de caminho feita ou pela sua orientação sexual.
Vocês inventam que um embrião ou um feto valem mais que uma mulher adulta, então se ela pensar em abortar, ela é uma assassina.
Já foi comprovado pela ciência como pode ser horrível para uma vítima de estupro passar posteriormente por uma gestação mas vocês também ignoram isso.
Grande parte das vítimas de estupro que engravidam buscam por aborto clandestino. Mesmo em países onde é permitido por lei interromper gestação provocada por estupro.
Muitas morrem por causa disso.
Porque é burocrático. Porque nenhuma pessoa deveria ser obrigada a reviver um trauma.
Mas vocês não se importam com isso, preferem se entitular "pró-vida" e serem coniventes com o massacre diário.
O crime cometido contra mim há sete anos atrás me trouxe consequências severas, como até mesmo perder emprego. Consequências potencialmente infinitas.
Ninguém se importa se você teve uma lembrança no meio do expediente. É mais fácil te mandar embora.
Isso fora os remédios. Fora as internações.
Nunca ninguém me ofereceu ajuda para arcar com os custos do tratamento.
Nunca ninguém me parabenizou por ter me formado na faculdade ou realizado um intercâmbio voluntário mesmo diante disso.
Se é que não estou fazendo drama, não estou fazendo nada mais que a minha obrigação.
É o que dizem.
Falar de cultura de estupro (a qual incontáveis acéfalos insistem em dizer que não existe) é falar de mim.
Sou a vítima perfeita do patriarcado.
Vocês tentaram me matar.
Repetidas vezes.
Mas eu não morri.
Permaneço aqui. E vou escancarar o ódio de vocês, custe-me o que custar.
Estupro é o crime que não acaba quando termina.
Quando você ignora vítimas de estupro, você é cúmplice.
Quando você é contra o aborto, você é cúmplice.
Quando você sabe que pouquíssimos estupradores são condenados e permanece sem se posicionar sobre isso, você também é estuprador.
E numa semana horrível como essa, só me faltava mesmo ver até "feminista" compartilhando texto de macho fetichizando a vida sexual de vítima.
Estupro é o crime mais celebrado do mundo.
#ProjetoHisteria #AhistoriaDela
domingo, 24 de abril de 2016
Importando
Mudei muito nos últimos três anos. Aspirações, interesses e relações. Até de país! Mas uma coisa que não se alterou nem um pouco é meu fascínio pelas relações humanas. Não entendo porque alguém pode manter vínculo com uma pessoa que declara não suportar. Ou como funcionaria esse processo de, de repente, ser indiferente com quem já se jurou lealdade eterna...
Adoro aquela máxima que diz que em tempos de ódio, é bom andar amado. É muito raro eu excluir alguém do meu Facebook porque é muito difícil concluir que alguém pode não ter nada de bom pra me oferecer. Uma coisa que definitivamente não sou é maniqueísta. Por isso também acabo me chateando quando um amigo se afasta. Eu tenho muito carinho por todo mundo. Ou quase. Porque eu tenho a certeza que só sou quem eu sou porque você é quem você é. E entre contradições e imperfeições, sou muito grata e orgulhosa de mim.
E estou aqui, divagando nesse domingo (dia oficial!) e citando até ubuntu porque queria te perguntar: como você está se sentindo hoje?
Adoro aquela máxima que diz que em tempos de ódio, é bom andar amado. É muito raro eu excluir alguém do meu Facebook porque é muito difícil concluir que alguém pode não ter nada de bom pra me oferecer. Uma coisa que definitivamente não sou é maniqueísta. Por isso também acabo me chateando quando um amigo se afasta. Eu tenho muito carinho por todo mundo. Ou quase. Porque eu tenho a certeza que só sou quem eu sou porque você é quem você é. E entre contradições e imperfeições, sou muito grata e orgulhosa de mim.
E estou aqui, divagando nesse domingo (dia oficial!) e citando até ubuntu porque queria te perguntar: como você está se sentindo hoje?
sexta-feira, 4 de março de 2016
Política da falta de empatia
Essa madrugada vi muito ódio de pessoas que são contra a descriminalização do aborto. Agora, sem saco pra acompanhar os "fora PT" comemorando algo que desconheço como se fosse dia de jogo do Corinthians, por acaso fui ver o documentário sobre o sequestro do ônibus 174.
E é tudo tão simbólico, interligado e de uma lógica doentia...
Vocês defendem que fetos não desejados se transformem em crianças geradas num berço de desprezo.
Vocês são favoráveis à penas absurdas e torturas quando possivelmente essas crianças crescem e, por nunca terem sido cuidados, cometem crimes.
Vocês discursam aberta, parcial e inescrupulosamente contra o primeiro presidente que teve a decência e a coragem de olhar pro pobre. XVocê chama os assistidos pelas políticas públicas de vagabundos.
Quando houve a chacina na candelária, concordaram que àquelas crianças deveriam ter sido mortas à sangue frio mesmo. Vocês aplaudem e tiram até selfie com uma das polícias mais despreparadas e assassinas do mundo. E então vocês se dizem chocados com a violência no Brasil quando um menino que passou por todas as violências que VOCÊS APOIAM acaba reivindicando voz e vida em plena zona sul. Vocês o assassinam, por fim, ao vivo em rede nacional!
:(
E é tudo tão simbólico, interligado e de uma lógica doentia...
Vocês defendem que fetos não desejados se transformem em crianças geradas num berço de desprezo.
Vocês são favoráveis à penas absurdas e torturas quando possivelmente essas crianças crescem e, por nunca terem sido cuidados, cometem crimes.
Vocês discursam aberta, parcial e inescrupulosamente contra o primeiro presidente que teve a decência e a coragem de olhar pro pobre. XVocê chama os assistidos pelas políticas públicas de vagabundos.
Quando houve a chacina na candelária, concordaram que àquelas crianças deveriam ter sido mortas à sangue frio mesmo. Vocês aplaudem e tiram até selfie com uma das polícias mais despreparadas e assassinas do mundo. E então vocês se dizem chocados com a violência no Brasil quando um menino que passou por todas as violências que VOCÊS APOIAM acaba reivindicando voz e vida em plena zona sul. Vocês o assassinam, por fim, ao vivo em rede nacional!
:(
sexta-feira, 26 de junho de 2015
Vitória boa é colorida
Há quem reclame da hipocrisia de quem mudou aí a foto de perfil do Facebook mas ainda usa "bicha" como ofensa. Existe a crítica naquela linha estados-unidos-do-mau-capitalismo-opressão, que embora bastante válida, pode atrapalhar as comemorações que também são necessárias.
Mas é que hoje o amor venceu.
Esse texto poderia simplesmente não ser positivo.
Eu poderia ignorar o avanço que foi feito hoje nos Estados Unidos, ao aprovarem o casamento entre pessoas do mesmo sexo em todos os estados e falar sobre o quanto ainda se mata e ainda se morre por conta desse assunto.
Mas eu quero - eu preciso! - comemorar.
Hoje o amor venceu.
Uma pequena - mas importantíssima - batalha foi vencida.
A guerra ainda está aí: na heterossexualidade compulsória, nos pais que reprimem seus filhos desde pequenos, na "família tradicional" que se incomoda com beijo "gay" na mesma novela que mostra violência e sexo explícitos, nas piadinhas, nas pessoas que não deixam a amargura de lado nunca.
Entretanto, qual seria o sentido da luta se não comemorássemos quando ganhamos?
São também essas pequenas vitórias que transformam tudo.
A complexidade humana é isso: raríssimas coisas são tão preto no branco.
Existem muitas tonalidades a se explorar, respeitar e valorizar.
Mas hoje o amor venceu e eu escolho ver as coisas com o máximo de cores possíveis.
Mas é que hoje o amor venceu.
Esse texto poderia simplesmente não ser positivo.
Eu poderia ignorar o avanço que foi feito hoje nos Estados Unidos, ao aprovarem o casamento entre pessoas do mesmo sexo em todos os estados e falar sobre o quanto ainda se mata e ainda se morre por conta desse assunto.
Mas eu quero - eu preciso! - comemorar.
Hoje o amor venceu.
Uma pequena - mas importantíssima - batalha foi vencida.
A guerra ainda está aí: na heterossexualidade compulsória, nos pais que reprimem seus filhos desde pequenos, na "família tradicional" que se incomoda com beijo "gay" na mesma novela que mostra violência e sexo explícitos, nas piadinhas, nas pessoas que não deixam a amargura de lado nunca.
Entretanto, qual seria o sentido da luta se não comemorássemos quando ganhamos?
São também essas pequenas vitórias que transformam tudo.
A complexidade humana é isso: raríssimas coisas são tão preto no branco.
Existem muitas tonalidades a se explorar, respeitar e valorizar.
Mas hoje o amor venceu e eu escolho ver as coisas com o máximo de cores possíveis.
sábado, 7 de março de 2015
Depois do amor
Aqui nesse mesmo espaço onde compartilho todo tipo de coisa que passa pela minha cabeça, já falei muitas vezes sobre respeito aos ex-amores. Sou repetitiva, isso não é novidade. Mas muito da minha poética repetição vem da capacidade de, um belo dia, do nada, descobrir um novo ponto de vista perante uma situação. Se por vezes parece impossível mudar de opinião, ao menos, é sempre muito possível se posicionar sobre uma perspectiva diferente.
E justamente por ser ele, que me mostrou tantas maneiras novas de enxergar o mundo, que me sinto na obrigação de registrar mais uma vez o que sinto, em palavras. Aqui.
Quando me perguntam dele, a resposta mais simples costuma ser sempre minha aposta. Concordo, com muito respeito, com quem dizia nos achar um casal fofo mas sempre acrescento que ele me enlouquecia. E eu o enlouquecia de volta, não poderia deixar de admitir. Fazíamos cenas horrorosas, cheguei a sair do carro em movimento em meio à uma discussão e lembro exatamente da minha decepção quando, na quinta ou sexta vez que saímos juntos, percebi que ele não esperava eu sequer colocar a chave no meu portão antes de partir com o carro.
Éramos bizarramente diferentes. Entretanto, aposto que era isso que nos atraía um ao outro.
Entre todos meus textos sobre caras que nunca performaram o que sempre esperei de romances e relacionamentos, finalmente entendi porque ele é um dos meus personagens-reais prediletos: tudo o que já escrevi sobre ele foi real.
Quando eu falava entre dentes, daquele jeito ridículo que se age quando estamos nos apaixonando, não estava fazendo tipo. Eu, que sempre fiz a linha viciada em comédia romântica que vive ensaiando para apresentar aquela cena de arrancar suspiros, com ele sempre improvisei.
A resposta para o fim do relacionamento também sempre "não deu certo, não iria dar certo".
Mas isso é mentira. A verdade é que nossas diferenças como casal nunca me fizeram perder a admiração que tenho (sim, no presente!) pela pessoa que ele é.
Não sou capaz de lembrar de nenhum tema com o qual concordamos - de política à astrologia -, mas recordo com extremo carinho da absoluta delicadeza com a qual sempre me tratou e do conforto que me proporcionava.
Se eu sabia que jamais funcionaríamos como casal cada vez que tecíamos considerações sobre planos de vida para família e limites pessoais, e nunca quis assumir compromisso com ele, compenso ao destacar que na nossa relação nunca houveram mentiras e ilusões. Tivemos nosso tempo muito bem acertado, ao contrário do que já pareceu. Só o fim que se enrolou, provavelmente porque é muito difícil mesmo, para qualquer um, abrir mão de uma boa parceria.
Exatamente, ele foi meu parceiro. Exímio.
Me encorajava a correr atrás dos meus sonhos, apontava com paciência quase pedagógica o que eu poderia melhorar e desbravou o mundo comigo.
Em uma noite solitária, meses após o término oficial, me ouviu desabafar dificuldades da vida e me ofereceu mais que dinheiro: me deu esperança.
A minha primeira vez mais importante foi com ele;
Foi a primeira vez que coloquei meus pés frente aos pés de outro alguém e senti que podia pisar ali com firmeza, que era um cantinho seguro em meio à tantas armadilhas que encontramos pelo mundo afora.
Ele me ofereceu apoio de todas as formas possíveis, algumas que eu nem sabia que existiam.
Dividimos além de apelidos, era um bem-querer recíproco. Ainda é, ao menos da parte que me compete.
Eis então que ele entrou na igreja para eternizar amor e união. Também cheguei a escrever uma ou duas bobagens sobre a pessoa com a qual ele dividiu aquele momento no altar. Acredito que ninguém seja totalmente imune à sentir a tão famosa dor de cotovelo num momento desses, afinal. Mas agora já é possível distinguir que foi mera reação de choque, essas que qualquer humano sentiria.
Quem se importa com minha opinião sobre o vestido da noiva quando estamos falando de um ritual tão bonito quanto o matrimônio?
Casamento é sobre muitas das coisas que aprendi com ele: respeito, amor, comprometimento e intimidade. Ele não mereceria menos.
Honra é o que sinto ao escrever esse texto e é com o coração tranquilo que posso, enfim, aposentar o ele como personagem que saiu do livro com dignidade e construiu um felizes para sempre próprio, sem se tornar vilão.
A história aqui ainda promete muita aventura, lágrimas, pé na bunda e beijo na boca, e a graça é que ninguém é capaz de prever se terminará com essa donzela-que-de-indefesa-não-tem-nada encontrando um par ou só encontrando a si mesma - o que, por Deus!, já seria incrível o suficiente.
Porém, na necessidade de uma moral da história, pode-se destacar que ela reservou um espaço no meio dessa pseudoautobiografia pra atualizar esse agradecimento à quem agregou muito ao participar do enredo.
Para avisar que é um sentimento muito bom saber que ele disse "sim" para uma bela moça de branco que afirmou positivamente de volta.
Divido com ele, então, uma última coisa: felicidade em vê-lo feliz.
E justamente por ser ele, que me mostrou tantas maneiras novas de enxergar o mundo, que me sinto na obrigação de registrar mais uma vez o que sinto, em palavras. Aqui.
Quando me perguntam dele, a resposta mais simples costuma ser sempre minha aposta. Concordo, com muito respeito, com quem dizia nos achar um casal fofo mas sempre acrescento que ele me enlouquecia. E eu o enlouquecia de volta, não poderia deixar de admitir. Fazíamos cenas horrorosas, cheguei a sair do carro em movimento em meio à uma discussão e lembro exatamente da minha decepção quando, na quinta ou sexta vez que saímos juntos, percebi que ele não esperava eu sequer colocar a chave no meu portão antes de partir com o carro.
Éramos bizarramente diferentes. Entretanto, aposto que era isso que nos atraía um ao outro.
Entre todos meus textos sobre caras que nunca performaram o que sempre esperei de romances e relacionamentos, finalmente entendi porque ele é um dos meus personagens-reais prediletos: tudo o que já escrevi sobre ele foi real.
Quando eu falava entre dentes, daquele jeito ridículo que se age quando estamos nos apaixonando, não estava fazendo tipo. Eu, que sempre fiz a linha viciada em comédia romântica que vive ensaiando para apresentar aquela cena de arrancar suspiros, com ele sempre improvisei.
A resposta para o fim do relacionamento também sempre "não deu certo, não iria dar certo".
Mas isso é mentira. A verdade é que nossas diferenças como casal nunca me fizeram perder a admiração que tenho (sim, no presente!) pela pessoa que ele é.
Não sou capaz de lembrar de nenhum tema com o qual concordamos - de política à astrologia -, mas recordo com extremo carinho da absoluta delicadeza com a qual sempre me tratou e do conforto que me proporcionava.
Se eu sabia que jamais funcionaríamos como casal cada vez que tecíamos considerações sobre planos de vida para família e limites pessoais, e nunca quis assumir compromisso com ele, compenso ao destacar que na nossa relação nunca houveram mentiras e ilusões. Tivemos nosso tempo muito bem acertado, ao contrário do que já pareceu. Só o fim que se enrolou, provavelmente porque é muito difícil mesmo, para qualquer um, abrir mão de uma boa parceria.
Exatamente, ele foi meu parceiro. Exímio.
Me encorajava a correr atrás dos meus sonhos, apontava com paciência quase pedagógica o que eu poderia melhorar e desbravou o mundo comigo.
Em uma noite solitária, meses após o término oficial, me ouviu desabafar dificuldades da vida e me ofereceu mais que dinheiro: me deu esperança.
A minha primeira vez mais importante foi com ele;
Foi a primeira vez que coloquei meus pés frente aos pés de outro alguém e senti que podia pisar ali com firmeza, que era um cantinho seguro em meio à tantas armadilhas que encontramos pelo mundo afora.
Ele me ofereceu apoio de todas as formas possíveis, algumas que eu nem sabia que existiam.
Dividimos além de apelidos, era um bem-querer recíproco. Ainda é, ao menos da parte que me compete.
Eis então que ele entrou na igreja para eternizar amor e união. Também cheguei a escrever uma ou duas bobagens sobre a pessoa com a qual ele dividiu aquele momento no altar. Acredito que ninguém seja totalmente imune à sentir a tão famosa dor de cotovelo num momento desses, afinal. Mas agora já é possível distinguir que foi mera reação de choque, essas que qualquer humano sentiria.
Quem se importa com minha opinião sobre o vestido da noiva quando estamos falando de um ritual tão bonito quanto o matrimônio?
Casamento é sobre muitas das coisas que aprendi com ele: respeito, amor, comprometimento e intimidade. Ele não mereceria menos.
Honra é o que sinto ao escrever esse texto e é com o coração tranquilo que posso, enfim, aposentar o ele como personagem que saiu do livro com dignidade e construiu um felizes para sempre próprio, sem se tornar vilão.
A história aqui ainda promete muita aventura, lágrimas, pé na bunda e beijo na boca, e a graça é que ninguém é capaz de prever se terminará com essa donzela-que-de-indefesa-não-tem-nada encontrando um par ou só encontrando a si mesma - o que, por Deus!, já seria incrível o suficiente.
Porém, na necessidade de uma moral da história, pode-se destacar que ela reservou um espaço no meio dessa pseudoautobiografia pra atualizar esse agradecimento à quem agregou muito ao participar do enredo.
Para avisar que é um sentimento muito bom saber que ele disse "sim" para uma bela moça de branco que afirmou positivamente de volta.
Divido com ele, então, uma última coisa: felicidade em vê-lo feliz.
”O amor é a única coisa que cresce à medida que se reparte”
(livro O Pequeno Príncipe)
quarta-feira, 29 de outubro de 2014
Poder patriarcal ou-presidencial
Eu sou meio de esquerda, como um dos meus autores favoritos, o Antônio Prata. Mas não sou nada intelectual. Nascida em uma família de estudiosos, saí completamente às avessas. Amo ler, mas só quando estou a fim. E por favor, não me apareça com livros grossos e filosóficos (and teóricos)) quando posso reler pela milésima vez Harry Potter e as Relíquias da Morte. Sou extremamente perfeccionista, mas o grande desafio é me fazer levantar da cama. Sou feminista também, o que me coloca muitas vezes em posições complexas quanto à predileção por alguém que exerce poder sobre mim, como citado no início desse texto.
Três dias após a reeleição de Dilma, venho discutindo cada vez mais sobre política. A verdade é que eu não curto política, mas acredito absolutamente na máxima "se você não gosta de política, será governado por quem gosta". Ou algo assim. Então vez ou outra você vai me ver esmiuçando teorias por aí. Mas sou completamente uma pessoa de prática. Marthinha me pegou perfeitamente quando afirmou que fatos revelam tudo, atitudes só confirmam (E o que se diz - com todo o respeito - é apenas o que se diz).
Há teorias, inclusive, que eu deveria ter seguido carreira na área de exatas. Mas isso são só teorias, é claro. Embora esteja claro que eu amo uma boa e velha referência. Mas aí é só pra embasar e deixar mais bonito o que se faz.
Meu interesse supostamente tardio por discutir política após passadas às eleições tem um motivo muito claro: eu não suportaria ver um agressor de mulheres na Presidência do meu país.
É isso.
Claro, também tenho algumas coisas que admiro profundamente em Dilma. O passado dela faz meu coração vibrar, discretamente que é para não soar petralha demais. Como presidenta (e o choro é livre!), minhas críticas são bem maiores. Ainda assim, o plano econômico dela me assusta. Me assusta porque como qualquer pessoa que vive nesse mundo (capitalista), também gosto de ganhar dinheiro. Também me considerei traída perante algumas falas homofóbicas e retrocessos em políticas de reprodução. Não que eu tenha qualquer dúvida de que Aécio seria incrivelmente pior nesses aspectos. Os de humanidade, eu digo, porque economia, hm, talvez ele se saísse bem. Talvez.
Mas eu sou mulher.
Minha mãe foi vítima de violência doméstica, assim como a esposa do meu pai que veio antes da minha mãe.
Cresci numa sociedade patriarcal onde eu fui erotizada quando nem desconfiava o que aquilo significava.
Por fim, sofri todo tipo de abuso que uma mulher pode sofrer.
Mas o que me deixa mais assustada, mais incomodada, é que eu estou longe de ser exceção.
Violência contra a mulher é institucionalizada.
E como dizem por aí, o pessoal é político.
Cada notícia de feminicídio, cada assédio que sofro ou presencio, cada estupro coletivo que chegam ao meu conhecimento me afetam. Porque poderia ser comigo. Isso é sobre mim.
Posso ter deficiência de conhecimento teórico feminista, sim, mas eu sei o que é ver uma agressão que nunca será denunciada ser digerida como normal pela própria vítima. Sei o que é duvidarem da denúncia quando ela é feita. Sei da culpa e da vergonha que serão carregadas pra sempre.
Sei, então, que preciso fazer algo a respeito.
Há quem diga que "atitudes da vida pessoal do candidato não deveriam ser levadas em consideração". Eu discordo.
Passo mal só de ouvir falar o nome de algum filme do Woody Allen. Porque consigo entender como Dylan se sente, como ela passa a maior parte dos seus dias fingindo que a violência terrível que ela sofreu não tenha tido tanta relevância.
Não quero que ninguém precise passar por experiências traumatizantes para entender quão desrespeitoso é dar qualquer crédito a quem feriu a alma de outra pessoa.
Acredito em direitos humanos e ressocialização de condenados à crimes, mesmo os hediondos, mas acredito que seja importante considerar o conforto da vítima sobrevivente.
Acredito mais em humanidade do que na humanidade, sabe?
Por tudo isso, fiz questão de ir à votação com uma camiseta escrito o que repeti nas redes sociais: não voto em quem bate em mulher. Não pra ser presidente da república. Não quando tantas mulheres são torturadas rotineiramente e ninguém se importa. Não quando poderia ser comigo. Não agora.
Tenho algumas dúvidas quanto à capacidade de Aécio governar bem, mas o resultado das eleições apenas representou a minha maior certeza: o poder dos misóginos está diminuindo.
Só a luta muda a vida.
Três dias após a reeleição de Dilma, venho discutindo cada vez mais sobre política. A verdade é que eu não curto política, mas acredito absolutamente na máxima "se você não gosta de política, será governado por quem gosta". Ou algo assim. Então vez ou outra você vai me ver esmiuçando teorias por aí. Mas sou completamente uma pessoa de prática. Marthinha me pegou perfeitamente quando afirmou que fatos revelam tudo, atitudes só confirmam (E o que se diz - com todo o respeito - é apenas o que se diz).
Há teorias, inclusive, que eu deveria ter seguido carreira na área de exatas. Mas isso são só teorias, é claro. Embora esteja claro que eu amo uma boa e velha referência. Mas aí é só pra embasar e deixar mais bonito o que se faz.
Meu interesse supostamente tardio por discutir política após passadas às eleições tem um motivo muito claro: eu não suportaria ver um agressor de mulheres na Presidência do meu país.
É isso.
Claro, também tenho algumas coisas que admiro profundamente em Dilma. O passado dela faz meu coração vibrar, discretamente que é para não soar petralha demais. Como presidenta (e o choro é livre!), minhas críticas são bem maiores. Ainda assim, o plano econômico dela me assusta. Me assusta porque como qualquer pessoa que vive nesse mundo (capitalista), também gosto de ganhar dinheiro. Também me considerei traída perante algumas falas homofóbicas e retrocessos em políticas de reprodução. Não que eu tenha qualquer dúvida de que Aécio seria incrivelmente pior nesses aspectos. Os de humanidade, eu digo, porque economia, hm, talvez ele se saísse bem. Talvez.
Mas eu sou mulher.
Minha mãe foi vítima de violência doméstica, assim como a esposa do meu pai que veio antes da minha mãe.
Cresci numa sociedade patriarcal onde eu fui erotizada quando nem desconfiava o que aquilo significava.
Por fim, sofri todo tipo de abuso que uma mulher pode sofrer.
Mas o que me deixa mais assustada, mais incomodada, é que eu estou longe de ser exceção.
Violência contra a mulher é institucionalizada.
E como dizem por aí, o pessoal é político.
Cada notícia de feminicídio, cada assédio que sofro ou presencio, cada estupro coletivo que chegam ao meu conhecimento me afetam. Porque poderia ser comigo. Isso é sobre mim.
Posso ter deficiência de conhecimento teórico feminista, sim, mas eu sei o que é ver uma agressão que nunca será denunciada ser digerida como normal pela própria vítima. Sei o que é duvidarem da denúncia quando ela é feita. Sei da culpa e da vergonha que serão carregadas pra sempre.
Sei, então, que preciso fazer algo a respeito.
Há quem diga que "atitudes da vida pessoal do candidato não deveriam ser levadas em consideração". Eu discordo.
Passo mal só de ouvir falar o nome de algum filme do Woody Allen. Porque consigo entender como Dylan se sente, como ela passa a maior parte dos seus dias fingindo que a violência terrível que ela sofreu não tenha tido tanta relevância.
Não quero que ninguém precise passar por experiências traumatizantes para entender quão desrespeitoso é dar qualquer crédito a quem feriu a alma de outra pessoa.
Acredito em direitos humanos e ressocialização de condenados à crimes, mesmo os hediondos, mas acredito que seja importante considerar o conforto da vítima sobrevivente.
Acredito mais em humanidade do que na humanidade, sabe?
Por tudo isso, fiz questão de ir à votação com uma camiseta escrito o que repeti nas redes sociais: não voto em quem bate em mulher. Não pra ser presidente da república. Não quando tantas mulheres são torturadas rotineiramente e ninguém se importa. Não quando poderia ser comigo. Não agora.
Tenho algumas dúvidas quanto à capacidade de Aécio governar bem, mas o resultado das eleições apenas representou a minha maior certeza: o poder dos misóginos está diminuindo.
Só a luta muda a vida.
sábado, 23 de agosto de 2014
Existe vida após um aborto!
Eu nasci com uma vagina e ainda com pouquíssimos anos de vida já havia descoberto que isso me traria alguns problemas complexos durante minha vida. Lembro que no Jardim de Infância, com uns quatro anos, ao brincar e correr no recreio, eu bati a virilha contra um painel baixo. Hoje tenho 21 anos e lembro perfeitamente da dor excruciante que senti. Mas não contei pra professora, nem pras minhas irmãs. Tinha medo de pensarem que eu havia feito qualquer coisa que justificasse estar com a vagina doendo (Observem como a cultura do estupro se manifesta desde os primeiros momentos). No banho, tive que contar pra minha mãe. Ela quis contar para o meu pai e/ou me levar ao médico. Morri de medo ao imaginar um homem olhando ou tocando meu genital. Só deixei no dia seguinte, quando minha mãe descobriu uma pediatra. Ficou tudo bem, mas as lembranças detalhadas dessa experiência me servem pra lembrar que minha natureza poderia ser uma grande armadilha.
Com uma família conservadora e frequentando intensamente a igreja até uns 15 anos, queria casar virgem. Sem nunca parar pra refletir com os discursos que eu dizia concordar, acreditava que aborto era assassinato. Simplesmente ignorei aulas de ciências e biologia que deixam claro que até ao menos 12 semanas, não há desenvolvimento suficiente DO FETO para que se acredite que ele tem capacidade sequer de sentir dor. Rompi com a igreja ao começar a questionar os dogmas e repudiar casos de homofobia e conservadorismos que impediam o debate saudável de ideias. Continuava acreditando muito em Deus e ainda tinha orgulho da minha virgindade. Então, chegou o questionamento desse orgulho. Sempre fui muita reservada para questões íntimas, mas não conseguia julgar qualquer outra pessoa que não tivesse as mesmas barreiras psicológicas que eu e preferisse manter uma vida sexual diferente da que, até então, eu havia escolhido para mim mesma. Achava que sexualidade era normal como qualquer experiência humana e que cada um era responsável pelas decisões sobre o próprio corpo. E só. Fui diagnosticada com depressão. Minha relação familiar era conturbada e eu decidi não ter filhos pois duvidava da minha capacidade de ser responsável por outra vida.
Aos 16 anos, fui vítima de estupro. O agressor foi um conhecido. Não tive coragem de denunciar, nem sabia o suficiente sobre sexo para entender realmente o que havia acontecido mas alguns amigos me fizeram tomar uma pílula do dia seguinte. A depressão piorou e começaram os impulsos suicidas gravíssimos. Aos 18, após internação resultante de outra tentativa frustrada de pôr fim ao meu sofrimento, comecei a dar alguma atenção à minha saúde psiquiátrica. Decidi perder a virgindade. Foi uma experiência ruim mas camuflava e ignorava meus próprios sentimentos de maneira automática. Morria de medo de engravidar e nas poucas relações que tive, nunca deixei de usar preservativo. Ainda assim, quando eu tinha uma relação sexual ficava extremamente desequilibrada, assustada com a possibilidade de gravidez. Tomei pílula do dia seguinte mesmo usando preservativo em ao menos uma ocasião até que interrompi minha vida sexual. Era muito, muito, muito estressante pra mim, sempre tive muito medo de engravidar e ter que encarar o que sempre achei: que eu era um problema e uma vergonha pra minha família. Não aguentava a pressão.
Com 20 anos, comecei a namorar, estava no último ano da faculdade e seguia com o tratamento psiquiátrico. Em julho, minha menstruação atrasou, mas sempre atrasava por causa do meu nervosismo constante. Em agosto, atrasou mais de uma semana. Fiz um teste de farmácia e deu positivo. Batia minha barriga contra paredes e objetos. Chorava. Suplicava para aquilo não estar acontecendo. Via que ia passar por nove meses de pura aversão ao que estava acontecendo no meu próprio corpo. Via interrompendo meus estudos. Via um futuro tenebroso para um ser inocente mas que iria se desenvolver em um corpo de alguém que nunca teve uma relação saudável consigo mesma. Fiquei um mês de cama. Levantava poucas vezes na semana, para tomar banho. Vomitava, tinha febre e não comia nada, nunca. Após a primeira semana de cama, tomava soro caseiro e forçava alguns sucos. Torcia para morrer e ainda assim ficava triste em pensar que minha família descobriria a gestação após meu óbito.
Eis que consegui fazer um aborto. Vi o feto quando ele saiu, com quase 13 semanas de gravidez: menos de 3 centímetros e uma consistência gelatinosa - era isso que estava acabando comigo. Mas acabou. Me senti grata demais por ter conseguido um procedimento seguro e sinto muito por cada mulher que é condenada à morte em cada canto do país em que o processo de abortamento é criminalizado. A primeira coisa sólida que comi depois daquela experiência traumática foi chocolate e a sensação foi de puro alívio. Pela primeira vez na vida, senti esperança, senti que minha vida poderia ser melhor e ter um sentido. Meu namoro terminou, me formei na faculdade e estou abrindo uma ong de apoio à pessoas com tendências suicidas.
Posso dizer que só descobri a felicidade ao assumir controle sobre meu corpo e meu destino.
Eu era suicida, fui estuprada e fiz um aborto.
Hoje, sou feliz.
Com uma família conservadora e frequentando intensamente a igreja até uns 15 anos, queria casar virgem. Sem nunca parar pra refletir com os discursos que eu dizia concordar, acreditava que aborto era assassinato. Simplesmente ignorei aulas de ciências e biologia que deixam claro que até ao menos 12 semanas, não há desenvolvimento suficiente DO FETO para que se acredite que ele tem capacidade sequer de sentir dor. Rompi com a igreja ao começar a questionar os dogmas e repudiar casos de homofobia e conservadorismos que impediam o debate saudável de ideias. Continuava acreditando muito em Deus e ainda tinha orgulho da minha virgindade. Então, chegou o questionamento desse orgulho. Sempre fui muita reservada para questões íntimas, mas não conseguia julgar qualquer outra pessoa que não tivesse as mesmas barreiras psicológicas que eu e preferisse manter uma vida sexual diferente da que, até então, eu havia escolhido para mim mesma. Achava que sexualidade era normal como qualquer experiência humana e que cada um era responsável pelas decisões sobre o próprio corpo. E só. Fui diagnosticada com depressão. Minha relação familiar era conturbada e eu decidi não ter filhos pois duvidava da minha capacidade de ser responsável por outra vida.
Aos 16 anos, fui vítima de estupro. O agressor foi um conhecido. Não tive coragem de denunciar, nem sabia o suficiente sobre sexo para entender realmente o que havia acontecido mas alguns amigos me fizeram tomar uma pílula do dia seguinte. A depressão piorou e começaram os impulsos suicidas gravíssimos. Aos 18, após internação resultante de outra tentativa frustrada de pôr fim ao meu sofrimento, comecei a dar alguma atenção à minha saúde psiquiátrica. Decidi perder a virgindade. Foi uma experiência ruim mas camuflava e ignorava meus próprios sentimentos de maneira automática. Morria de medo de engravidar e nas poucas relações que tive, nunca deixei de usar preservativo. Ainda assim, quando eu tinha uma relação sexual ficava extremamente desequilibrada, assustada com a possibilidade de gravidez. Tomei pílula do dia seguinte mesmo usando preservativo em ao menos uma ocasião até que interrompi minha vida sexual. Era muito, muito, muito estressante pra mim, sempre tive muito medo de engravidar e ter que encarar o que sempre achei: que eu era um problema e uma vergonha pra minha família. Não aguentava a pressão.
Com 20 anos, comecei a namorar, estava no último ano da faculdade e seguia com o tratamento psiquiátrico. Em julho, minha menstruação atrasou, mas sempre atrasava por causa do meu nervosismo constante. Em agosto, atrasou mais de uma semana. Fiz um teste de farmácia e deu positivo. Batia minha barriga contra paredes e objetos. Chorava. Suplicava para aquilo não estar acontecendo. Via que ia passar por nove meses de pura aversão ao que estava acontecendo no meu próprio corpo. Via interrompendo meus estudos. Via um futuro tenebroso para um ser inocente mas que iria se desenvolver em um corpo de alguém que nunca teve uma relação saudável consigo mesma. Fiquei um mês de cama. Levantava poucas vezes na semana, para tomar banho. Vomitava, tinha febre e não comia nada, nunca. Após a primeira semana de cama, tomava soro caseiro e forçava alguns sucos. Torcia para morrer e ainda assim ficava triste em pensar que minha família descobriria a gestação após meu óbito.
Eis que consegui fazer um aborto. Vi o feto quando ele saiu, com quase 13 semanas de gravidez: menos de 3 centímetros e uma consistência gelatinosa - era isso que estava acabando comigo. Mas acabou. Me senti grata demais por ter conseguido um procedimento seguro e sinto muito por cada mulher que é condenada à morte em cada canto do país em que o processo de abortamento é criminalizado. A primeira coisa sólida que comi depois daquela experiência traumática foi chocolate e a sensação foi de puro alívio. Pela primeira vez na vida, senti esperança, senti que minha vida poderia ser melhor e ter um sentido. Meu namoro terminou, me formei na faculdade e estou abrindo uma ong de apoio à pessoas com tendências suicidas.
Posso dizer que só descobri a felicidade ao assumir controle sobre meu corpo e meu destino.
Eu era suicida, fui estuprada e fiz um aborto.
Hoje, sou feliz.
Relato para o coletivo Leila Diniz.
sexta-feira, 18 de julho de 2014
Ressignificando mentiras sinceras
Foi meu primeiro namoro sério, almoço em família no domingo, dormir no quarto dele de porta fechada, essas coisas. Depois do primeiro semestre, as brigas banais começaram e antes de completar um ano a coisa degringolou.
Discutimos, choramos. Impasse.
Ensaio de uma reconciliação.
Ensaio de uma reconciliação.
Perguntei se estava tudo bem. Se estávamos bem.
Ele olhou nos meus olhos e disse sim. Me abraçou e caímos no sono assim.
Acordei, arrumei minhas coisas e tinha que ir embora.
Perguntei antes de decidir se falava que eu o amava: "a gente tá bem?"
Ele sorriu - como quem acha graça na paranoia alheia, como sempre achou - e respondeu: "estamos muito bem. Eu te amo."
Sumiu por dias. Era frio nas respostas. Julguei que eram os problemas no trabalho, rotina atribulada, stress mal lidado.
Ele sorriu - como quem acha graça na paranoia alheia, como sempre achou - e respondeu: "estamos muito bem. Eu te amo."
Sumiu por dias. Era frio nas respostas. Julguei que eram os problemas no trabalho, rotina atribulada, stress mal lidado.
Chegou uma mensagem no whatsapp.
E acabou.
Pausa essa cena.
Passou-se mais um semestre, dias atuais.
Uma amiga pede ajuda. Desesperada.
Ela mentiu. Estava sob pressão e mentiu.
Só que isso interferiu no "planejamento de vida" de uma terceira pessoa e essa ficou brava.
Minha amiga está com medo. Ela não mentiu por mal. Não acordou um dia e pensou "hoje eu vou inventar uma mentira só pra ver alguém chorar".
Minha amiga tem um coração enorme, jamais magoaria ou irritaria alguém de propósito.
Mas ela mentiu.
Oras, não é compreensível?
Todo mundo mente, o tempo todo. Seja porque chegou atrasado no trabalho e porquê não sabe como avisar a pessoa que tal roupa não lhe caiu bem.
As intenções são sempre as melhores. E sim, sabemos qual é o lugar que está cheio de gente bem intencionada.
Mas todos entendemos - e exatamente por isso o ditado famoso existe, imagino.
Tento consolar minha amiga com todos esses argumentos já apresentados.
Você é humana, Maria. Você pode errar, sabe? Pode beber até perder a razão, pode escolher um curso de faculdade que sabe que não vai terminar, pode mentir. Claro que é uma droga quando nossos erros pessoais interferem de modo negativo na vida alheia. Claro que não é muito justo. Mas aconteceu.
Qual é o problema das pessoas em aceitar o erro alheio, hein? Quanto exagero!
Você nunca errou, não, hein?
Nunca mentiu e não soube o que fazer com o monstrinho que criou e urrava de fome?
Começou com uma mentira sobre meteriologia e terminou com um casamento, não foi?
É, mentiras saem de controle.
O que a gente pode fazer é não se acostumar, não elegê-la como ideal, não se acostumar.
Voltamos há seis meses atrás.
A sensação foi de profunda traição. Preferia que ele tivesse transado com todas as mulheres da minha família mas não tivesse mentido pra mim. Preferia flagrá-lo com outra mas que ele não tivesse olhado nos meus olhos e afirmado algo que não sentia. Preferia não ter ficado atordoada quando o fim veio de uma maneira tão lancinante.
Sempre achei que foi de propósito, má fé mesmo. Não havia outra explicação.
Queria que mentiras sinceras explodissem todas e que todas as pessoas que magoam sem se importar fossem condenadas à prisão perpétua.
Eu sempre pedi para as pessoas pararem de mentir!
Sempre atribuí todos meus traumas à profunda irresponsabilidade alheia com os meus sentimentos, geralmente embasados em mentira.
A maioria dos posts desse blog ou do meu caderninho não deixam dúvidas...
Mas hoje não!
Hoje meu pedido é sobre tolerância e aceitação.
Sobre olhar para o outro ser humano que errou e reconhecê-lo como igual, com suas fraquezas. E perdoá-lo por isso.
Veja bem, mentira continua sendo algo horroroso. Mas se você não levar pro lado pessoal, pode enxergar uma perspectiva que nem sabia que existia.
Está tudo bem, ex namorado.
Está tudo bem, Maria.
Acontece.
E se vocês estiverem dispostos a tentar arrumar essa bagunça, mãos à obra, tá?
Responsabilidade com o sentimento alheio talvez envolva mentira também, porque envolve humanidade. Mas responsabilidade com o sentimento alheio talvez seja justamente se importar o suficiente para não deixar que a outra pessoa pague pelo seu erro, mas sem se martirizar por isso.
Essa responsabilidade provavelmente fique clara apenas na intenção mesmo. No se importar. Tente manifestar isso. Assuma as consequências e faça dessa experiência uma prova de importância.
Com amor e aceitação,
Maiara.
quarta-feira, 9 de julho de 2014
Vagão segregação
Quando uma pessoa comete um ato que prejudique outro cidadão, a proposta é que ela seja denunciada, julgada e condenada a pagar pelas suas ações. Correto?
Desde que comecei a me dedicar a questões feministas, achava até graça como o que é óbvio pra nós muitas vezes é pintado como "absurdo" ou "radical" por machistas.
Acredito que seja de conhecimento geral que decotes, saias curtas ou a madrugada não estupram. Estupradores estupram. E como ainda não inventaram uma maneira de mulheres - que são a grande esmagadora maioria das vítimas desse crime hediondo - saírem sem seus próprios corpos, pouco ao pouco, conseguimos expressar para a sociedade que o sistema patriarcal é o grande patrocinador desses ataques, não a conduta feminina.
Em outras palavras: O MUNDO É NOSSO TAMBÉM!
Audre Lorde já deixou claro: Não serei livre enquanto houver mulheres que não são, mesmo que suas algemas sejam muito diferentes das minhas.
Não é a vítima que deve ter sua rotina, locomoção ou vida prejudicada (ainda mais).
Correto?
Me expliquem, então, por quê criar um vagão exclusivo para mulheres com a tentativa de coibir assédios?
Desde que comecei a me dedicar a questões feministas, achava até graça como o que é óbvio pra nós muitas vezes é pintado como "absurdo" ou "radical" por machistas.
Acredito que seja de conhecimento geral que decotes, saias curtas ou a madrugada não estupram. Estupradores estupram. E como ainda não inventaram uma maneira de mulheres - que são a grande esmagadora maioria das vítimas desse crime hediondo - saírem sem seus próprios corpos, pouco ao pouco, conseguimos expressar para a sociedade que o sistema patriarcal é o grande patrocinador desses ataques, não a conduta feminina.
Em outras palavras: O MUNDO É NOSSO TAMBÉM!
Considerando todo esse cenário, é com grande surpresa que observei feministas defendendo a proposta de um vagão exclusivo para mulheres.
Debati com muitas e tentei entender o posicionamento contrário. Cheguei a ler que "é mesmo muito bom poder pegar o trem sem macho nojento se esfregando".
Olha, eu imagino que realmente seja maravilhoso utilizar um transporte coletivo que é, inclusive, caro e precário, sem sofrer assédio. E é pra isso que o feminismo existe, não?
Debati com muitas e tentei entender o posicionamento contrário. Cheguei a ler que "é mesmo muito bom poder pegar o trem sem macho nojento se esfregando".
Olha, eu imagino que realmente seja maravilhoso utilizar um transporte coletivo que é, inclusive, caro e precário, sem sofrer assédio. E é pra isso que o feminismo existe, não?
Eu não quero oprimir homens. Não quero estuprá-los, roubar suas vagas no mercado de trabalho ou fazê-los temer pela própria integridade a todo instante. Meu sonho de oprimida não é me igualar ao opressor.
Minha luta é, definitivamente, pela equidade. Igualdade real de direitos e deveres.
Minha luta é, definitivamente, pela equidade. Igualdade real de direitos e deveres.
Não acredito que segregar seja aceitável para proteger!
Não me ensinem onde devo estar, como devo me portar e quais escolhas tomar, patriarcado.
Eu já volto para casa pelo caminho mais longo, porém mais iluminado, quando já anoiteceu.
Eu já volto para casa pelo caminho mais longo, porém mais iluminado, quando já anoiteceu.
Eu já deixo de utilizar uma roupa curta ou decotada quando sairei desacompanhada.
Eu tenho medo. Muito medo.
Eu já sofri ataques - o mais recente, vejam só, no metrô.
Eu tenho medo. Muito medo.
Eu já sofri ataques - o mais recente, vejam só, no metrô.
Eu, como toda mulher, estou ciente que sou um alvo ambulante. Sei que acreditam que meu corpo é de domínio público.
Mas não é ficando em casa que mudarei esse cenário.
Quem precisa ser privado de liberdade é quem me agride.
Minha luta em busca de libertação não pode se condicionar a menos liberdade, mesmo que temporária. Porque isso nem faz sentido.
É extremamente ofensivo que, mais uma vez, me digam que meu lugar na sociedade será sempre onde mandarem. Século XXI, 2014 e mais uma vez focam na vítima e não no agressor.
O "vagão rosa", feministas, não nos protege! Protege o assediador!
Ainda haverão assédios, abusos, estupros. Só que - com otimismo - será fora do vagão exclusivo.
Isso atrasará severamente pedidos para tomada de medidas mais efetivas.
Não serve, irmãs. Nem como medida paliativa.
Minha luta em busca de libertação não pode se condicionar a menos liberdade, mesmo que temporária. Porque isso nem faz sentido.
É extremamente ofensivo que, mais uma vez, me digam que meu lugar na sociedade será sempre onde mandarem. Século XXI, 2014 e mais uma vez focam na vítima e não no agressor.
O "vagão rosa", feministas, não nos protege! Protege o assediador!
Ainda haverão assédios, abusos, estupros. Só que - com otimismo - será fora do vagão exclusivo.
Isso atrasará severamente pedidos para tomada de medidas mais efetivas.
Não serve, irmãs. Nem como medida paliativa.
"Existem mulheres que não conseguem andar em vagões mistos!" - Algumas dizem.
Também existem mulheres que não vão conseguir sequer entrar no "vagão rosa", eu respondo.
O que faremos quanto à essas que ficarão ainda mais vulneráveis?
O que faremos quando mulheres trans* sofrerem represálias ou serem deslegitimadas ao tentar utilizar o espaço exclusivo?
O que faremos quando uma mulher que já é vítima e já carrega traumas, não conseguir adentrar no vagão específico por que ele já está hiper lotado - que é a realidade paulista cotidiana?
O que faremos quando a mulher periférica, após trabalhar arduamente o dia inteiro, tiver que escolher entre ficar criticamente apertada entre outras dezenas de mulheres ou correr o risco de ser assediada num espaço que terá ainda menos mulheres que poderiam apoiá-la?
A proposta de vocês é proteger uma minoria em detrimento da maioria?
O que faremos quanto à essas que ficarão ainda mais vulneráveis?
O que faremos quando mulheres trans* sofrerem represálias ou serem deslegitimadas ao tentar utilizar o espaço exclusivo?
O que faremos quando uma mulher que já é vítima e já carrega traumas, não conseguir adentrar no vagão específico por que ele já está hiper lotado - que é a realidade paulista cotidiana?
O que faremos quando a mulher periférica, após trabalhar arduamente o dia inteiro, tiver que escolher entre ficar criticamente apertada entre outras dezenas de mulheres ou correr o risco de ser assediada num espaço que terá ainda menos mulheres que poderiam apoiá-la?
A proposta de vocês é proteger uma minoria em detrimento da maioria?
Somos mais da metade dos usuários de transporte coletivo!
Você realmente está disposta a se sentir um pouco mais protegida se o preço disso é colocar mais mulheres em risco?
Isso, do meu ponto de vista, é feminismo de elite. Feminismo branco, liberal e transfóbico.
Um feminismo que não se questiona, que privilegia quem já é privilegiado, que não ouve outras mulheres e ignora vivências.
Um feminismo que não se questiona, que privilegia quem já é privilegiado, que não ouve outras mulheres e ignora vivências.
Audre Lorde já deixou claro: Não serei livre enquanto houver mulheres que não são, mesmo que suas algemas sejam muito diferentes das minhas.
E eu não quero ser salva se isso ferir minhas irmãs!
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