Eu sou meio de esquerda, como um dos meus autores favoritos, o Antônio Prata. Mas não sou nada intelectual. Nascida em uma família de estudiosos, saí completamente às avessas. Amo ler, mas só quando estou a fim. E por favor, não me apareça com livros grossos e filosóficos (and teóricos)) quando posso reler pela milésima vez Harry Potter e as Relíquias da Morte. Sou extremamente perfeccionista, mas o grande desafio é me fazer levantar da cama. Sou feminista também, o que me coloca muitas vezes em posições complexas quanto à predileção por alguém que exerce poder sobre mim, como citado no início desse texto.
Três dias após a reeleição de Dilma, venho discutindo cada vez mais sobre política. A verdade é que eu não curto política, mas acredito absolutamente na máxima "se você não gosta de política, será governado por quem gosta". Ou algo assim. Então vez ou outra você vai me ver esmiuçando teorias por aí. Mas sou completamente uma pessoa de prática. Marthinha me pegou perfeitamente quando afirmou que fatos revelam tudo, atitudes só confirmam (E o que se diz - com todo o respeito - é apenas o que se diz).
Há teorias, inclusive, que eu deveria ter seguido carreira na área de exatas. Mas isso são só teorias, é claro. Embora esteja claro que eu amo uma boa e velha referência. Mas aí é só pra embasar e deixar mais bonito o que se faz.
Meu interesse supostamente tardio por discutir política após passadas às eleições tem um motivo muito claro: eu não suportaria ver um agressor de mulheres na Presidência do meu país.
É isso.
Claro, também tenho algumas coisas que admiro profundamente em Dilma. O passado dela faz meu coração vibrar, discretamente que é para não soar petralha demais. Como presidenta (e o choro é livre!), minhas críticas são bem maiores. Ainda assim, o plano econômico dela me assusta. Me assusta porque como qualquer pessoa que vive nesse mundo (capitalista), também gosto de ganhar dinheiro. Também me considerei traída perante algumas falas homofóbicas e retrocessos em políticas de reprodução. Não que eu tenha qualquer dúvida de que Aécio seria incrivelmente pior nesses aspectos. Os de humanidade, eu digo, porque economia, hm, talvez ele se saísse bem. Talvez.
Mas eu sou mulher.
Minha mãe foi vítima de violência doméstica, assim como a esposa do meu pai que veio antes da minha mãe.
Cresci numa sociedade patriarcal onde eu fui erotizada quando nem desconfiava o que aquilo significava.
Por fim, sofri todo tipo de abuso que uma mulher pode sofrer.
Mas o que me deixa mais assustada, mais incomodada, é que eu estou longe de ser exceção.
Violência contra a mulher é institucionalizada.
E como dizem por aí, o pessoal é político.
Cada notícia de feminicídio, cada assédio que sofro ou presencio, cada estupro coletivo que chegam ao meu conhecimento me afetam. Porque poderia ser comigo. Isso é sobre mim.
Posso ter deficiência de conhecimento teórico feminista, sim, mas eu sei o que é ver uma agressão que nunca será denunciada ser digerida como normal pela própria vítima. Sei o que é duvidarem da denúncia quando ela é feita. Sei da culpa e da vergonha que serão carregadas pra sempre.
Sei, então, que preciso fazer algo a respeito.
Há quem diga que "atitudes da vida pessoal do candidato não deveriam ser levadas em consideração". Eu discordo.
Passo mal só de ouvir falar o nome de algum filme do Woody Allen. Porque consigo entender como Dylan se sente, como ela passa a maior parte dos seus dias fingindo que a violência terrível que ela sofreu não tenha tido tanta relevância.
Não quero que ninguém precise passar por experiências traumatizantes para entender quão desrespeitoso é dar qualquer crédito a quem feriu a alma de outra pessoa.
Acredito em direitos humanos e ressocialização de condenados à crimes, mesmo os hediondos, mas acredito que seja importante considerar o conforto da vítima sobrevivente.
Acredito mais em humanidade do que na humanidade, sabe?
Por tudo isso, fiz questão de ir à votação com uma camiseta escrito o que repeti nas redes sociais: não voto em quem bate em mulher. Não pra ser presidente da república. Não quando tantas mulheres são torturadas rotineiramente e ninguém se importa. Não quando poderia ser comigo. Não agora.
Tenho algumas dúvidas quanto à capacidade de Aécio governar bem, mas o resultado das eleições apenas representou a minha maior certeza: o poder dos misóginos está diminuindo.
Só a luta muda a vida.
quarta-feira, 29 de outubro de 2014
sábado, 23 de agosto de 2014
Existe vida após um aborto!
Eu nasci com uma vagina e ainda com pouquíssimos anos de vida já havia descoberto que isso me traria alguns problemas complexos durante minha vida. Lembro que no Jardim de Infância, com uns quatro anos, ao brincar e correr no recreio, eu bati a virilha contra um painel baixo. Hoje tenho 21 anos e lembro perfeitamente da dor excruciante que senti. Mas não contei pra professora, nem pras minhas irmãs. Tinha medo de pensarem que eu havia feito qualquer coisa que justificasse estar com a vagina doendo (Observem como a cultura do estupro se manifesta desde os primeiros momentos). No banho, tive que contar pra minha mãe. Ela quis contar para o meu pai e/ou me levar ao médico. Morri de medo ao imaginar um homem olhando ou tocando meu genital. Só deixei no dia seguinte, quando minha mãe descobriu uma pediatra. Ficou tudo bem, mas as lembranças detalhadas dessa experiência me servem pra lembrar que minha natureza poderia ser uma grande armadilha.
Com uma família conservadora e frequentando intensamente a igreja até uns 15 anos, queria casar virgem. Sem nunca parar pra refletir com os discursos que eu dizia concordar, acreditava que aborto era assassinato. Simplesmente ignorei aulas de ciências e biologia que deixam claro que até ao menos 12 semanas, não há desenvolvimento suficiente DO FETO para que se acredite que ele tem capacidade sequer de sentir dor. Rompi com a igreja ao começar a questionar os dogmas e repudiar casos de homofobia e conservadorismos que impediam o debate saudável de ideias. Continuava acreditando muito em Deus e ainda tinha orgulho da minha virgindade. Então, chegou o questionamento desse orgulho. Sempre fui muita reservada para questões íntimas, mas não conseguia julgar qualquer outra pessoa que não tivesse as mesmas barreiras psicológicas que eu e preferisse manter uma vida sexual diferente da que, até então, eu havia escolhido para mim mesma. Achava que sexualidade era normal como qualquer experiência humana e que cada um era responsável pelas decisões sobre o próprio corpo. E só. Fui diagnosticada com depressão. Minha relação familiar era conturbada e eu decidi não ter filhos pois duvidava da minha capacidade de ser responsável por outra vida.
Aos 16 anos, fui vítima de estupro. O agressor foi um conhecido. Não tive coragem de denunciar, nem sabia o suficiente sobre sexo para entender realmente o que havia acontecido mas alguns amigos me fizeram tomar uma pílula do dia seguinte. A depressão piorou e começaram os impulsos suicidas gravíssimos. Aos 18, após internação resultante de outra tentativa frustrada de pôr fim ao meu sofrimento, comecei a dar alguma atenção à minha saúde psiquiátrica. Decidi perder a virgindade. Foi uma experiência ruim mas camuflava e ignorava meus próprios sentimentos de maneira automática. Morria de medo de engravidar e nas poucas relações que tive, nunca deixei de usar preservativo. Ainda assim, quando eu tinha uma relação sexual ficava extremamente desequilibrada, assustada com a possibilidade de gravidez. Tomei pílula do dia seguinte mesmo usando preservativo em ao menos uma ocasião até que interrompi minha vida sexual. Era muito, muito, muito estressante pra mim, sempre tive muito medo de engravidar e ter que encarar o que sempre achei: que eu era um problema e uma vergonha pra minha família. Não aguentava a pressão.
Com 20 anos, comecei a namorar, estava no último ano da faculdade e seguia com o tratamento psiquiátrico. Em julho, minha menstruação atrasou, mas sempre atrasava por causa do meu nervosismo constante. Em agosto, atrasou mais de uma semana. Fiz um teste de farmácia e deu positivo. Batia minha barriga contra paredes e objetos. Chorava. Suplicava para aquilo não estar acontecendo. Via que ia passar por nove meses de pura aversão ao que estava acontecendo no meu próprio corpo. Via interrompendo meus estudos. Via um futuro tenebroso para um ser inocente mas que iria se desenvolver em um corpo de alguém que nunca teve uma relação saudável consigo mesma. Fiquei um mês de cama. Levantava poucas vezes na semana, para tomar banho. Vomitava, tinha febre e não comia nada, nunca. Após a primeira semana de cama, tomava soro caseiro e forçava alguns sucos. Torcia para morrer e ainda assim ficava triste em pensar que minha família descobriria a gestação após meu óbito.
Eis que consegui fazer um aborto. Vi o feto quando ele saiu, com quase 13 semanas de gravidez: menos de 3 centímetros e uma consistência gelatinosa - era isso que estava acabando comigo. Mas acabou. Me senti grata demais por ter conseguido um procedimento seguro e sinto muito por cada mulher que é condenada à morte em cada canto do país em que o processo de abortamento é criminalizado. A primeira coisa sólida que comi depois daquela experiência traumática foi chocolate e a sensação foi de puro alívio. Pela primeira vez na vida, senti esperança, senti que minha vida poderia ser melhor e ter um sentido. Meu namoro terminou, me formei na faculdade e estou abrindo uma ong de apoio à pessoas com tendências suicidas.
Posso dizer que só descobri a felicidade ao assumir controle sobre meu corpo e meu destino.
Eu era suicida, fui estuprada e fiz um aborto.
Hoje, sou feliz.
Com uma família conservadora e frequentando intensamente a igreja até uns 15 anos, queria casar virgem. Sem nunca parar pra refletir com os discursos que eu dizia concordar, acreditava que aborto era assassinato. Simplesmente ignorei aulas de ciências e biologia que deixam claro que até ao menos 12 semanas, não há desenvolvimento suficiente DO FETO para que se acredite que ele tem capacidade sequer de sentir dor. Rompi com a igreja ao começar a questionar os dogmas e repudiar casos de homofobia e conservadorismos que impediam o debate saudável de ideias. Continuava acreditando muito em Deus e ainda tinha orgulho da minha virgindade. Então, chegou o questionamento desse orgulho. Sempre fui muita reservada para questões íntimas, mas não conseguia julgar qualquer outra pessoa que não tivesse as mesmas barreiras psicológicas que eu e preferisse manter uma vida sexual diferente da que, até então, eu havia escolhido para mim mesma. Achava que sexualidade era normal como qualquer experiência humana e que cada um era responsável pelas decisões sobre o próprio corpo. E só. Fui diagnosticada com depressão. Minha relação familiar era conturbada e eu decidi não ter filhos pois duvidava da minha capacidade de ser responsável por outra vida.
Aos 16 anos, fui vítima de estupro. O agressor foi um conhecido. Não tive coragem de denunciar, nem sabia o suficiente sobre sexo para entender realmente o que havia acontecido mas alguns amigos me fizeram tomar uma pílula do dia seguinte. A depressão piorou e começaram os impulsos suicidas gravíssimos. Aos 18, após internação resultante de outra tentativa frustrada de pôr fim ao meu sofrimento, comecei a dar alguma atenção à minha saúde psiquiátrica. Decidi perder a virgindade. Foi uma experiência ruim mas camuflava e ignorava meus próprios sentimentos de maneira automática. Morria de medo de engravidar e nas poucas relações que tive, nunca deixei de usar preservativo. Ainda assim, quando eu tinha uma relação sexual ficava extremamente desequilibrada, assustada com a possibilidade de gravidez. Tomei pílula do dia seguinte mesmo usando preservativo em ao menos uma ocasião até que interrompi minha vida sexual. Era muito, muito, muito estressante pra mim, sempre tive muito medo de engravidar e ter que encarar o que sempre achei: que eu era um problema e uma vergonha pra minha família. Não aguentava a pressão.
Com 20 anos, comecei a namorar, estava no último ano da faculdade e seguia com o tratamento psiquiátrico. Em julho, minha menstruação atrasou, mas sempre atrasava por causa do meu nervosismo constante. Em agosto, atrasou mais de uma semana. Fiz um teste de farmácia e deu positivo. Batia minha barriga contra paredes e objetos. Chorava. Suplicava para aquilo não estar acontecendo. Via que ia passar por nove meses de pura aversão ao que estava acontecendo no meu próprio corpo. Via interrompendo meus estudos. Via um futuro tenebroso para um ser inocente mas que iria se desenvolver em um corpo de alguém que nunca teve uma relação saudável consigo mesma. Fiquei um mês de cama. Levantava poucas vezes na semana, para tomar banho. Vomitava, tinha febre e não comia nada, nunca. Após a primeira semana de cama, tomava soro caseiro e forçava alguns sucos. Torcia para morrer e ainda assim ficava triste em pensar que minha família descobriria a gestação após meu óbito.
Eis que consegui fazer um aborto. Vi o feto quando ele saiu, com quase 13 semanas de gravidez: menos de 3 centímetros e uma consistência gelatinosa - era isso que estava acabando comigo. Mas acabou. Me senti grata demais por ter conseguido um procedimento seguro e sinto muito por cada mulher que é condenada à morte em cada canto do país em que o processo de abortamento é criminalizado. A primeira coisa sólida que comi depois daquela experiência traumática foi chocolate e a sensação foi de puro alívio. Pela primeira vez na vida, senti esperança, senti que minha vida poderia ser melhor e ter um sentido. Meu namoro terminou, me formei na faculdade e estou abrindo uma ong de apoio à pessoas com tendências suicidas.
Posso dizer que só descobri a felicidade ao assumir controle sobre meu corpo e meu destino.
Eu era suicida, fui estuprada e fiz um aborto.
Hoje, sou feliz.
Relato para o coletivo Leila Diniz.
sexta-feira, 18 de julho de 2014
Ressignificando mentiras sinceras
Foi meu primeiro namoro sério, almoço em família no domingo, dormir no quarto dele de porta fechada, essas coisas. Depois do primeiro semestre, as brigas banais começaram e antes de completar um ano a coisa degringolou.
Discutimos, choramos. Impasse.
Ensaio de uma reconciliação.
Ensaio de uma reconciliação.
Perguntei se estava tudo bem. Se estávamos bem.
Ele olhou nos meus olhos e disse sim. Me abraçou e caímos no sono assim.
Acordei, arrumei minhas coisas e tinha que ir embora.
Perguntei antes de decidir se falava que eu o amava: "a gente tá bem?"
Ele sorriu - como quem acha graça na paranoia alheia, como sempre achou - e respondeu: "estamos muito bem. Eu te amo."
Sumiu por dias. Era frio nas respostas. Julguei que eram os problemas no trabalho, rotina atribulada, stress mal lidado.
Ele sorriu - como quem acha graça na paranoia alheia, como sempre achou - e respondeu: "estamos muito bem. Eu te amo."
Sumiu por dias. Era frio nas respostas. Julguei que eram os problemas no trabalho, rotina atribulada, stress mal lidado.
Chegou uma mensagem no whatsapp.
E acabou.
Pausa essa cena.
Passou-se mais um semestre, dias atuais.
Uma amiga pede ajuda. Desesperada.
Ela mentiu. Estava sob pressão e mentiu.
Só que isso interferiu no "planejamento de vida" de uma terceira pessoa e essa ficou brava.
Minha amiga está com medo. Ela não mentiu por mal. Não acordou um dia e pensou "hoje eu vou inventar uma mentira só pra ver alguém chorar".
Minha amiga tem um coração enorme, jamais magoaria ou irritaria alguém de propósito.
Mas ela mentiu.
Oras, não é compreensível?
Todo mundo mente, o tempo todo. Seja porque chegou atrasado no trabalho e porquê não sabe como avisar a pessoa que tal roupa não lhe caiu bem.
As intenções são sempre as melhores. E sim, sabemos qual é o lugar que está cheio de gente bem intencionada.
Mas todos entendemos - e exatamente por isso o ditado famoso existe, imagino.
Tento consolar minha amiga com todos esses argumentos já apresentados.
Você é humana, Maria. Você pode errar, sabe? Pode beber até perder a razão, pode escolher um curso de faculdade que sabe que não vai terminar, pode mentir. Claro que é uma droga quando nossos erros pessoais interferem de modo negativo na vida alheia. Claro que não é muito justo. Mas aconteceu.
Qual é o problema das pessoas em aceitar o erro alheio, hein? Quanto exagero!
Você nunca errou, não, hein?
Nunca mentiu e não soube o que fazer com o monstrinho que criou e urrava de fome?
Começou com uma mentira sobre meteriologia e terminou com um casamento, não foi?
É, mentiras saem de controle.
O que a gente pode fazer é não se acostumar, não elegê-la como ideal, não se acostumar.
Voltamos há seis meses atrás.
A sensação foi de profunda traição. Preferia que ele tivesse transado com todas as mulheres da minha família mas não tivesse mentido pra mim. Preferia flagrá-lo com outra mas que ele não tivesse olhado nos meus olhos e afirmado algo que não sentia. Preferia não ter ficado atordoada quando o fim veio de uma maneira tão lancinante.
Sempre achei que foi de propósito, má fé mesmo. Não havia outra explicação.
Queria que mentiras sinceras explodissem todas e que todas as pessoas que magoam sem se importar fossem condenadas à prisão perpétua.
Eu sempre pedi para as pessoas pararem de mentir!
Sempre atribuí todos meus traumas à profunda irresponsabilidade alheia com os meus sentimentos, geralmente embasados em mentira.
A maioria dos posts desse blog ou do meu caderninho não deixam dúvidas...
Mas hoje não!
Hoje meu pedido é sobre tolerância e aceitação.
Sobre olhar para o outro ser humano que errou e reconhecê-lo como igual, com suas fraquezas. E perdoá-lo por isso.
Veja bem, mentira continua sendo algo horroroso. Mas se você não levar pro lado pessoal, pode enxergar uma perspectiva que nem sabia que existia.
Está tudo bem, ex namorado.
Está tudo bem, Maria.
Acontece.
E se vocês estiverem dispostos a tentar arrumar essa bagunça, mãos à obra, tá?
Responsabilidade com o sentimento alheio talvez envolva mentira também, porque envolve humanidade. Mas responsabilidade com o sentimento alheio talvez seja justamente se importar o suficiente para não deixar que a outra pessoa pague pelo seu erro, mas sem se martirizar por isso.
Essa responsabilidade provavelmente fique clara apenas na intenção mesmo. No se importar. Tente manifestar isso. Assuma as consequências e faça dessa experiência uma prova de importância.
Com amor e aceitação,
Maiara.
quarta-feira, 9 de julho de 2014
Vagão segregação
Quando uma pessoa comete um ato que prejudique outro cidadão, a proposta é que ela seja denunciada, julgada e condenada a pagar pelas suas ações. Correto?
Desde que comecei a me dedicar a questões feministas, achava até graça como o que é óbvio pra nós muitas vezes é pintado como "absurdo" ou "radical" por machistas.
Acredito que seja de conhecimento geral que decotes, saias curtas ou a madrugada não estupram. Estupradores estupram. E como ainda não inventaram uma maneira de mulheres - que são a grande esmagadora maioria das vítimas desse crime hediondo - saírem sem seus próprios corpos, pouco ao pouco, conseguimos expressar para a sociedade que o sistema patriarcal é o grande patrocinador desses ataques, não a conduta feminina.
Em outras palavras: O MUNDO É NOSSO TAMBÉM!
Audre Lorde já deixou claro: Não serei livre enquanto houver mulheres que não são, mesmo que suas algemas sejam muito diferentes das minhas.
Não é a vítima que deve ter sua rotina, locomoção ou vida prejudicada (ainda mais).
Correto?
Me expliquem, então, por quê criar um vagão exclusivo para mulheres com a tentativa de coibir assédios?
Desde que comecei a me dedicar a questões feministas, achava até graça como o que é óbvio pra nós muitas vezes é pintado como "absurdo" ou "radical" por machistas.
Acredito que seja de conhecimento geral que decotes, saias curtas ou a madrugada não estupram. Estupradores estupram. E como ainda não inventaram uma maneira de mulheres - que são a grande esmagadora maioria das vítimas desse crime hediondo - saírem sem seus próprios corpos, pouco ao pouco, conseguimos expressar para a sociedade que o sistema patriarcal é o grande patrocinador desses ataques, não a conduta feminina.
Em outras palavras: O MUNDO É NOSSO TAMBÉM!
Considerando todo esse cenário, é com grande surpresa que observei feministas defendendo a proposta de um vagão exclusivo para mulheres.
Debati com muitas e tentei entender o posicionamento contrário. Cheguei a ler que "é mesmo muito bom poder pegar o trem sem macho nojento se esfregando".
Olha, eu imagino que realmente seja maravilhoso utilizar um transporte coletivo que é, inclusive, caro e precário, sem sofrer assédio. E é pra isso que o feminismo existe, não?
Debati com muitas e tentei entender o posicionamento contrário. Cheguei a ler que "é mesmo muito bom poder pegar o trem sem macho nojento se esfregando".
Olha, eu imagino que realmente seja maravilhoso utilizar um transporte coletivo que é, inclusive, caro e precário, sem sofrer assédio. E é pra isso que o feminismo existe, não?
Eu não quero oprimir homens. Não quero estuprá-los, roubar suas vagas no mercado de trabalho ou fazê-los temer pela própria integridade a todo instante. Meu sonho de oprimida não é me igualar ao opressor.
Minha luta é, definitivamente, pela equidade. Igualdade real de direitos e deveres.
Minha luta é, definitivamente, pela equidade. Igualdade real de direitos e deveres.
Não acredito que segregar seja aceitável para proteger!
Não me ensinem onde devo estar, como devo me portar e quais escolhas tomar, patriarcado.
Eu já volto para casa pelo caminho mais longo, porém mais iluminado, quando já anoiteceu.
Eu já volto para casa pelo caminho mais longo, porém mais iluminado, quando já anoiteceu.
Eu já deixo de utilizar uma roupa curta ou decotada quando sairei desacompanhada.
Eu tenho medo. Muito medo.
Eu já sofri ataques - o mais recente, vejam só, no metrô.
Eu tenho medo. Muito medo.
Eu já sofri ataques - o mais recente, vejam só, no metrô.
Eu, como toda mulher, estou ciente que sou um alvo ambulante. Sei que acreditam que meu corpo é de domínio público.
Mas não é ficando em casa que mudarei esse cenário.
Quem precisa ser privado de liberdade é quem me agride.
Minha luta em busca de libertação não pode se condicionar a menos liberdade, mesmo que temporária. Porque isso nem faz sentido.
É extremamente ofensivo que, mais uma vez, me digam que meu lugar na sociedade será sempre onde mandarem. Século XXI, 2014 e mais uma vez focam na vítima e não no agressor.
O "vagão rosa", feministas, não nos protege! Protege o assediador!
Ainda haverão assédios, abusos, estupros. Só que - com otimismo - será fora do vagão exclusivo.
Isso atrasará severamente pedidos para tomada de medidas mais efetivas.
Não serve, irmãs. Nem como medida paliativa.
Minha luta em busca de libertação não pode se condicionar a menos liberdade, mesmo que temporária. Porque isso nem faz sentido.
É extremamente ofensivo que, mais uma vez, me digam que meu lugar na sociedade será sempre onde mandarem. Século XXI, 2014 e mais uma vez focam na vítima e não no agressor.
O "vagão rosa", feministas, não nos protege! Protege o assediador!
Ainda haverão assédios, abusos, estupros. Só que - com otimismo - será fora do vagão exclusivo.
Isso atrasará severamente pedidos para tomada de medidas mais efetivas.
Não serve, irmãs. Nem como medida paliativa.
"Existem mulheres que não conseguem andar em vagões mistos!" - Algumas dizem.
Também existem mulheres que não vão conseguir sequer entrar no "vagão rosa", eu respondo.
O que faremos quanto à essas que ficarão ainda mais vulneráveis?
O que faremos quando mulheres trans* sofrerem represálias ou serem deslegitimadas ao tentar utilizar o espaço exclusivo?
O que faremos quando uma mulher que já é vítima e já carrega traumas, não conseguir adentrar no vagão específico por que ele já está hiper lotado - que é a realidade paulista cotidiana?
O que faremos quando a mulher periférica, após trabalhar arduamente o dia inteiro, tiver que escolher entre ficar criticamente apertada entre outras dezenas de mulheres ou correr o risco de ser assediada num espaço que terá ainda menos mulheres que poderiam apoiá-la?
A proposta de vocês é proteger uma minoria em detrimento da maioria?
O que faremos quanto à essas que ficarão ainda mais vulneráveis?
O que faremos quando mulheres trans* sofrerem represálias ou serem deslegitimadas ao tentar utilizar o espaço exclusivo?
O que faremos quando uma mulher que já é vítima e já carrega traumas, não conseguir adentrar no vagão específico por que ele já está hiper lotado - que é a realidade paulista cotidiana?
O que faremos quando a mulher periférica, após trabalhar arduamente o dia inteiro, tiver que escolher entre ficar criticamente apertada entre outras dezenas de mulheres ou correr o risco de ser assediada num espaço que terá ainda menos mulheres que poderiam apoiá-la?
A proposta de vocês é proteger uma minoria em detrimento da maioria?
Somos mais da metade dos usuários de transporte coletivo!
Você realmente está disposta a se sentir um pouco mais protegida se o preço disso é colocar mais mulheres em risco?
Isso, do meu ponto de vista, é feminismo de elite. Feminismo branco, liberal e transfóbico.
Um feminismo que não se questiona, que privilegia quem já é privilegiado, que não ouve outras mulheres e ignora vivências.
Um feminismo que não se questiona, que privilegia quem já é privilegiado, que não ouve outras mulheres e ignora vivências.
Audre Lorde já deixou claro: Não serei livre enquanto houver mulheres que não são, mesmo que suas algemas sejam muito diferentes das minhas.
E eu não quero ser salva se isso ferir minhas irmãs!
sábado, 28 de junho de 2014
Aborto por quê?
Vamos falar sobre aborto? Considerando o significado biológico, social, cultural e tudo mais?
Você conhece alguém que já fez um aborto? Conhece quem tentou fazer e não conseguiu por qualquer motivo?
Eu conheço.
Agora, você conhece alguém que QUER fazer um aborto? Alguém que QUIS interromper uma gestação?
Porque eu não.
"NENHUMA pessoa deseja um aborto como alguém que deseja um sorvete num dia de calor. A pessoa que recorre ao aborto o deseja como um ANIMAL, acuado e preso em uma armadilha, deseja roer a própria perna para tentar sobreviver."
É preciso observar que a maternidade compulsória é um dos grandes males da humanidade e não é justo COM NINGUÉM. Nem com a criança que não terá o suporte necessário, nem pra família que terá que abdicar de metas próprias em prol de uma criança com a qual não se tem vínculo emocional.
É horrível e talvez assustador pensar assim, mas é a realidade: não é todo mundo que quer constituir uma família biológica. Não é toda mulher que deseja ser mãe. Não existe isso de senso materno natural.
Pessoas são pessoas, indivíduos singulares. Se sabemos que até a biologia influencia personalidade e tomada de decisões, imagine o meio cultural.
Eu, Maiara, sou militante da maternidade ativa. Ofereço orientação gratuita para gestantes que OPTARAM pela gravidez porque acho, sim, que é algo lindo, intenso e mágico. Minha luta para o aborto ser desmitificado e despenalizado é justamente porque é, no mínimo, sádico, alguém passar por um processo tão intenso sem consentimento.
Não, não existe nenhum método contraceptivo sem margem de falhas. (Eu engravidei tomando pílula e usando preservativo - que NÃO furou e estava perfeitamente dentro da validade.)
Não, não existe "nos dias de hoje só engravida quem quer".
Sim, devemos investir em planejamento familiar, educação sexual e tudo que ajude a mudar o quadro atual, mas criminalizar o aborto APENAS significa autorizar MASSACRE de mulheres. Pobres, na grande maioria. Isso é higienização social, não é política pública.
AINDA QUE trate-se de um caso em que a pessoa não se preveniu mesmo e não estava em uma relação estável, digamos assim, proponho uma reflexão:
É justo esse feto - que não, não é um bebê em miniatura e eu já vi fetos o suficiente para afirmar com propriedade: é um aglomerado de células, não é um bebêzinho - se transformar em um ser humano que não vai gozar de condições mínimas de dignidade, educação, respeito e carinho?
Somos mamíferos, necessitamos de calor humano. O bebê nasce e já procura o seio materno para ser acolhido e se acalmar. É justo negarmos isso a um bebê quando podemos interromper esse processo que é traumatizante para todos os envolvidos?
Quando digo traumatizante, estou me referindo à doenças sérias, que geram transtornos e sentenciam famílias.
Sabe depressão pós-parto? Nos países que o aborto não é legalizado, ela acontece em números alarmantes. Porque a mulher vira mãe por imposição social, porque as pessoas esperam que ela seja uma máquina de reprodução e amor, e ela não se sente como acha que deveria se sentir. Fica difícil construir uma sociedade doente e depois reclamar de cenas horrorosas de filhos matando pais e vice-versa.
Sobre "casos previstos em lei":
Um feto anencéfalo tem pouquíssimas chances de sobreviver. Na melhor das hipóteses, ao nascer, ele poderá ter uma vida com desenvoltura pouco maior à vegetativa, se a anencefalia não for completa. A anencefalia não chega nem a ser uma deficiência: é uma patologia totalmente incompatível com a vida extra-uterina.
Vamos novamente tentar nos colocar no papel da gestante:
Durante nove meses, passará por um processo intenso, que provavelmente te obrigará a renunciar algumas atividades, também provavelmente sentirá enjoos, dores e desconfortos variados e então, não terá um filho.
Claro que é louvável uma pessoa se propor a uma situação assim, tendo em mente que o processo que gere uma vida seja sagrado. Mas não podemos condenar quem não pensa dessa maneira.
Se for uma pessoa que sempre sonhou com a maternidade e a gravidez então: imaginem quão dolorosa pode ser essa experiência.
Gestações que impliquem em risco de vida para humanos já formados, cidadãos, conscientes e responsáveis pelas próprias atitudes devem receber o mesmo ponto de vista, com o agravante: ao não interromper a gravidez, quem morre é a gestante.
Essa situação deixa perfeitamente claro porque acho irônico - e risível - pessoas que são contra a descriminalização do aborto se denominem como "pró-vida". Porque a favor da vida da gestante com certeza essa pessoa não é.
Nossa sociedade funciona em um sistema patriarcal. Toda pessoa que não se encaixa nos padrões ditados é condenada moralmente.
Ainda é um grande obstáculo para uma pessoa ir numa delegacia registrar um estupro. Fora o crime sofrido que já é traumatizante por si só, a pessoa precisa encarar o visível julgamento da sociedade por ter se tornado uma vítima. É muito comum que, ao registrar o boletim de ocorrência, a vítima ouça insinuações ou até mesmo afirmações explícitas de que "fez por merecer" sofrer tamanha violência.
Pais e mães expulsam filhos e filhas estuprados de casa. Sim, aqui no brasil.
Qual é a chance dessa mulher se sentir a vontade para realizar o boletim de ocorrência?
O próprio governo mesmo estima que apenas 10% dos estupros sejam denunciados.
Isso num país que REGISTRA centenas de estupros diários.
Nos casos de abortamento legal (Aliás, que essa portaria recém-aprovada-e-logo-revogada já mostra certa desnecessidade, porque se já é lei, o S.U.S. TEM QUE ATENDER!), sabemos que a maioria das solicitações são feitas com boletins de ocorrência registrados tardiamente. Porque a mulher violentada já está traumatizada, tem vergonha de contar para a família ou que mais possa ajudar, e não denuncia, e ao descobrir a gestação oriunda do estupro, só após tentar todo tipo de tentativa de aborto caseira perigosa, rende-se ao sistema.
O Estado violenta quem já é violentado! Parece justo obrigar uma pessoa que já foi agredida sexualmente ter que reviver repetidas vezes o próprio trauma, num processo lamentável, para pôr fim a outra consequência desse trauma? Porque eu não acho que nem mesmo faça sentido.
Outra dúvida: qual seria a coerência em tratar um feto gerado em estupro como menos importante, "menos digno de vida" do que qualquer outro?
A pessoa que sentiu prazer sexual que gere um filho que não quer ou não pode cuidar, as vítimas de estupro que os abortem?
Honestamente, nunca entendi a lógica. Já entrevistei até parlamentares e eles também não souberam explicar.
Conclusão? Moralismo. Machismo.
Vivemos num país que se acha moderno e liberal mas ainda queremos punir mulheres que tenham vida sexual ativa. Seria cômico, se não fosse trágico.
A mulher que deve parar de transar, então, já que homens sempre vivem fugindo e nem pagam pensão e isso não é contestado ferozmente como é a decisão de interromper uma gravidez. O aborto paterno é aceito, o materno que não.
Ainda que ignorássemos também o que é passar NOVE MESES num processo biológico degradante para todos (Porque o feto vai receber a carga depressiva da mãe e isso vai influenciar toda a personalidade dessa criança, segundo a psicopedagogia), em que o corpo parasitado REPUDIA (Só dar uma volta em lugares que atendem o processo de abortamento legal e observar as mulheres que choram só de encostar/alguém olhar para a barriga dela, ouvir os gritos de "tira isso de mim!" que temos uma noção do quanto NÃO É divertido gestações não consentidas), vamos deixar que crianças sejam encaminhadas à adoção. Como se orfanatos tivessem a menor condição de oferecer estrutura básica para seres humanos em desenvolvimento, como se a sociedade não fosse julgar essa mulher que não nasceu com interesse em ser mãe e colocou o filho biológico para adoção, como se o sistema brasileiro de adoção não fosse burocrático, lento e problemático.
Não, ninguém acha que aborto seja uma opção divertida, muito menos no brasil.
Não, ninguém está incentivando a transar sem proteção (até porque existem dst's).
Ninguém odeia bebês fofos.
As pessoas que lutam a favor do aborto são pessoas muito bem instruídas que simplesmente não querem estimular essa sociedade doente. Justamente porque crianças merecem suporte para se desenvolver que não podemos obrigar ninguém a criar essas crianças, porque o mundo não tem suporte pra isso também.
Você conhece alguém que já fez um aborto? Conhece quem tentou fazer e não conseguiu por qualquer motivo?
Eu conheço.
Agora, você conhece alguém que QUER fazer um aborto? Alguém que QUIS interromper uma gestação?
Porque eu não.
"NENHUMA pessoa deseja um aborto como alguém que deseja um sorvete num dia de calor. A pessoa que recorre ao aborto o deseja como um ANIMAL, acuado e preso em uma armadilha, deseja roer a própria perna para tentar sobreviver."
É preciso observar que a maternidade compulsória é um dos grandes males da humanidade e não é justo COM NINGUÉM. Nem com a criança que não terá o suporte necessário, nem pra família que terá que abdicar de metas próprias em prol de uma criança com a qual não se tem vínculo emocional.
É horrível e talvez assustador pensar assim, mas é a realidade: não é todo mundo que quer constituir uma família biológica. Não é toda mulher que deseja ser mãe. Não existe isso de senso materno natural.
Pessoas são pessoas, indivíduos singulares. Se sabemos que até a biologia influencia personalidade e tomada de decisões, imagine o meio cultural.
Eu, Maiara, sou militante da maternidade ativa. Ofereço orientação gratuita para gestantes que OPTARAM pela gravidez porque acho, sim, que é algo lindo, intenso e mágico. Minha luta para o aborto ser desmitificado e despenalizado é justamente porque é, no mínimo, sádico, alguém passar por um processo tão intenso sem consentimento.
Não, não existe nenhum método contraceptivo sem margem de falhas. (Eu engravidei tomando pílula e usando preservativo - que NÃO furou e estava perfeitamente dentro da validade.)
Não, não existe "nos dias de hoje só engravida quem quer".
Sim, devemos investir em planejamento familiar, educação sexual e tudo que ajude a mudar o quadro atual, mas criminalizar o aborto APENAS significa autorizar MASSACRE de mulheres. Pobres, na grande maioria. Isso é higienização social, não é política pública.
AINDA QUE trate-se de um caso em que a pessoa não se preveniu mesmo e não estava em uma relação estável, digamos assim, proponho uma reflexão:
É justo esse feto - que não, não é um bebê em miniatura e eu já vi fetos o suficiente para afirmar com propriedade: é um aglomerado de células, não é um bebêzinho - se transformar em um ser humano que não vai gozar de condições mínimas de dignidade, educação, respeito e carinho?
Somos mamíferos, necessitamos de calor humano. O bebê nasce e já procura o seio materno para ser acolhido e se acalmar. É justo negarmos isso a um bebê quando podemos interromper esse processo que é traumatizante para todos os envolvidos?
Quando digo traumatizante, estou me referindo à doenças sérias, que geram transtornos e sentenciam famílias.
Sabe depressão pós-parto? Nos países que o aborto não é legalizado, ela acontece em números alarmantes. Porque a mulher vira mãe por imposição social, porque as pessoas esperam que ela seja uma máquina de reprodução e amor, e ela não se sente como acha que deveria se sentir. Fica difícil construir uma sociedade doente e depois reclamar de cenas horrorosas de filhos matando pais e vice-versa.
Sobre "casos previstos em lei":
Um feto anencéfalo tem pouquíssimas chances de sobreviver. Na melhor das hipóteses, ao nascer, ele poderá ter uma vida com desenvoltura pouco maior à vegetativa, se a anencefalia não for completa. A anencefalia não chega nem a ser uma deficiência: é uma patologia totalmente incompatível com a vida extra-uterina.
Vamos novamente tentar nos colocar no papel da gestante:
Durante nove meses, passará por um processo intenso, que provavelmente te obrigará a renunciar algumas atividades, também provavelmente sentirá enjoos, dores e desconfortos variados e então, não terá um filho.
Claro que é louvável uma pessoa se propor a uma situação assim, tendo em mente que o processo que gere uma vida seja sagrado. Mas não podemos condenar quem não pensa dessa maneira.
Se for uma pessoa que sempre sonhou com a maternidade e a gravidez então: imaginem quão dolorosa pode ser essa experiência.
Gestações que impliquem em risco de vida para humanos já formados, cidadãos, conscientes e responsáveis pelas próprias atitudes devem receber o mesmo ponto de vista, com o agravante: ao não interromper a gravidez, quem morre é a gestante.
Essa situação deixa perfeitamente claro porque acho irônico - e risível - pessoas que são contra a descriminalização do aborto se denominem como "pró-vida". Porque a favor da vida da gestante com certeza essa pessoa não é.
Nossa sociedade funciona em um sistema patriarcal. Toda pessoa que não se encaixa nos padrões ditados é condenada moralmente.
Ainda é um grande obstáculo para uma pessoa ir numa delegacia registrar um estupro. Fora o crime sofrido que já é traumatizante por si só, a pessoa precisa encarar o visível julgamento da sociedade por ter se tornado uma vítima. É muito comum que, ao registrar o boletim de ocorrência, a vítima ouça insinuações ou até mesmo afirmações explícitas de que "fez por merecer" sofrer tamanha violência.
Pais e mães expulsam filhos e filhas estuprados de casa. Sim, aqui no brasil.
Qual é a chance dessa mulher se sentir a vontade para realizar o boletim de ocorrência?
O próprio governo mesmo estima que apenas 10% dos estupros sejam denunciados.
Isso num país que REGISTRA centenas de estupros diários.
Nos casos de abortamento legal (Aliás, que essa portaria recém-aprovada-e-logo-revogada já mostra certa desnecessidade, porque se já é lei, o S.U.S. TEM QUE ATENDER!), sabemos que a maioria das solicitações são feitas com boletins de ocorrência registrados tardiamente. Porque a mulher violentada já está traumatizada, tem vergonha de contar para a família ou que mais possa ajudar, e não denuncia, e ao descobrir a gestação oriunda do estupro, só após tentar todo tipo de tentativa de aborto caseira perigosa, rende-se ao sistema.
O Estado violenta quem já é violentado! Parece justo obrigar uma pessoa que já foi agredida sexualmente ter que reviver repetidas vezes o próprio trauma, num processo lamentável, para pôr fim a outra consequência desse trauma? Porque eu não acho que nem mesmo faça sentido.
Outra dúvida: qual seria a coerência em tratar um feto gerado em estupro como menos importante, "menos digno de vida" do que qualquer outro?
A pessoa que sentiu prazer sexual que gere um filho que não quer ou não pode cuidar, as vítimas de estupro que os abortem?
Honestamente, nunca entendi a lógica. Já entrevistei até parlamentares e eles também não souberam explicar.
Conclusão? Moralismo. Machismo.
Vivemos num país que se acha moderno e liberal mas ainda queremos punir mulheres que tenham vida sexual ativa. Seria cômico, se não fosse trágico.
A mulher que deve parar de transar, então, já que homens sempre vivem fugindo e nem pagam pensão e isso não é contestado ferozmente como é a decisão de interromper uma gravidez. O aborto paterno é aceito, o materno que não.
Ainda que ignorássemos também o que é passar NOVE MESES num processo biológico degradante para todos (Porque o feto vai receber a carga depressiva da mãe e isso vai influenciar toda a personalidade dessa criança, segundo a psicopedagogia), em que o corpo parasitado REPUDIA (Só dar uma volta em lugares que atendem o processo de abortamento legal e observar as mulheres que choram só de encostar/alguém olhar para a barriga dela, ouvir os gritos de "tira isso de mim!" que temos uma noção do quanto NÃO É divertido gestações não consentidas), vamos deixar que crianças sejam encaminhadas à adoção. Como se orfanatos tivessem a menor condição de oferecer estrutura básica para seres humanos em desenvolvimento, como se a sociedade não fosse julgar essa mulher que não nasceu com interesse em ser mãe e colocou o filho biológico para adoção, como se o sistema brasileiro de adoção não fosse burocrático, lento e problemático.
Não, ninguém acha que aborto seja uma opção divertida, muito menos no brasil.
Não, ninguém está incentivando a transar sem proteção (até porque existem dst's).
Ninguém odeia bebês fofos.
As pessoas que lutam a favor do aborto são pessoas muito bem instruídas que simplesmente não querem estimular essa sociedade doente. Justamente porque crianças merecem suporte para se desenvolver que não podemos obrigar ninguém a criar essas crianças, porque o mundo não tem suporte pra isso também.
quinta-feira, 26 de junho de 2014
Teoria Disney +1: Teoria da Cinderela
Já ouviu falar da Teoria Pixar?
É aquela teoria meio maluca que pega cada detalhe aparentemente sem importância presente em cada filme da produtora e mostra uma maneira deles estarem interligados.
Não faço a menor ideia se ela é real, mas faz sentido.
Disney é da mesma família da Pixar, né. Toda aquela turma que transforma histórias em pura magia e tem a competência de manter atenção de crianças e adultos por quase duas horas.
Explicando o raciocínio, só pra ficar claro, cito então a Mc Mayara que brilha entoando a Teoria da Branca de Neve (apenas me deixem, sou grande fã!):
Sete.
Sete.
Sete.
Set... tá, parei.
Quem é responsável por uma geração frustrada ao descobrir que não é princesa? Ao notar que não teria sapatinho de cristal muito menos príncipe encantado para devolvê-lo?
Sim, a Disney.
Em tempos de Malévola fazendo sucesso por aí, começo daí minha teoria:
Certa vez comentei aqui que tem coração que adora aparecer no meu sapato. Percebi, então, que devia explicar melhor a Teoria da Cinderela.
Cinderela é aquela princesa que não era bem princesa, ficou órfã, virou escrava da madrasta e das meio-irmãs igualmente más. Desafiou o sistema, foi escondida pro baile procurar um negão e conquistou o príncipe e tudo mais e no meio dessa aventura perdeu o sapato de cristal bafônico que arranjou com uma fada madrinha. História de diva mesmo.
Acontece que sendo um conto Disney, a história fica toda em cima do sofrimento da mocinha que não tem roupa luxuosa pra ir à um baile real e a paixão instantânea que fez um príncipe carente percorrer todo o reino até reencontrar a donzela pela qual se apaixonou.
Tudo muito legal, mas foquemos no que torna o enlace possível: o sapatinho.
Um objeto, mero detalhe. Mero detalhe?
Se não fosse o sapato de cristal provavelmente Cinderela não teria ido ao baile, porque né, suponho que em tempos de monarquia um vestido lyndo ainda não justificava aparecer no casa do rei descalça.
Se não fosse o sapato de cristal perdido na correria de voltar pra casa em tempo provavelmente o príncipe teria descoberto que um lance é um lance, um lance não é um romance, afinal, como ele encontraria a gatinha se não fosse a ideia de ir de casa em casa de desconhecidos até descobrir quem poderia calçar perfeitamente o sapato?
E também, se não fosse um sapato de cristal repleto de magia, imagino que ele não seria exclusivo da gata, e sim, serviria em outras tantas moças do reino que tivessem numeração parecida e o príncipe acabaria casado com a pessoa errada.
A Teoria da Cinderela é que às vezes estamos tão determinados, focados, cegos de amor ou por qualquer outro motivo, impossibilitados de enxergar uma situação com clareza o suficiente, que não refletimos sobre ela, interpretamos de qualquer maneira e ignoramos, conscientemente ou não, o mais importante.
Citaria até Pequeno Príncipe: o essencial é invisível aos olhos.
Dessa forma, peço: calcem seus sapatinhos. Certifiquem-se de que ele está confortável e que há real importância em calçá-lo.
É aquela teoria meio maluca que pega cada detalhe aparentemente sem importância presente em cada filme da produtora e mostra uma maneira deles estarem interligados.
Não faço a menor ideia se ela é real, mas faz sentido.
Disney é da mesma família da Pixar, né. Toda aquela turma que transforma histórias em pura magia e tem a competência de manter atenção de crianças e adultos por quase duas horas.
Explicando o raciocínio, só pra ficar claro, cito então a Mc Mayara que brilha entoando a Teoria da Branca de Neve (apenas me deixem, sou grande fã!):
Por que só ter um se eu posso ter sete?Sete.
Sete.
Sete.
Sete.
Set... tá, parei.
Quem é responsável por uma geração frustrada ao descobrir que não é princesa? Ao notar que não teria sapatinho de cristal muito menos príncipe encantado para devolvê-lo?
Sim, a Disney.
Em tempos de Malévola fazendo sucesso por aí, começo daí minha teoria:
Certa vez comentei aqui que tem coração que adora aparecer no meu sapato. Percebi, então, que devia explicar melhor a Teoria da Cinderela.
Cinderela é aquela princesa que não era bem princesa, ficou órfã, virou escrava da madrasta e das meio-irmãs igualmente más. Desafiou o sistema, foi escondida pro baile procurar um negão e conquistou o príncipe e tudo mais e no meio dessa aventura perdeu o sapato de cristal bafônico que arranjou com uma fada madrinha. História de diva mesmo.
Acontece que sendo um conto Disney, a história fica toda em cima do sofrimento da mocinha que não tem roupa luxuosa pra ir à um baile real e a paixão instantânea que fez um príncipe carente percorrer todo o reino até reencontrar a donzela pela qual se apaixonou.
Tudo muito legal, mas foquemos no que torna o enlace possível: o sapatinho.
Um objeto, mero detalhe. Mero detalhe?
Se não fosse o sapato de cristal provavelmente Cinderela não teria ido ao baile, porque né, suponho que em tempos de monarquia um vestido lyndo ainda não justificava aparecer no casa do rei descalça.
Se não fosse o sapato de cristal perdido na correria de voltar pra casa em tempo provavelmente o príncipe teria descoberto que um lance é um lance, um lance não é um romance, afinal, como ele encontraria a gatinha se não fosse a ideia de ir de casa em casa de desconhecidos até descobrir quem poderia calçar perfeitamente o sapato?
E também, se não fosse um sapato de cristal repleto de magia, imagino que ele não seria exclusivo da gata, e sim, serviria em outras tantas moças do reino que tivessem numeração parecida e o príncipe acabaria casado com a pessoa errada.
A Teoria da Cinderela é que às vezes estamos tão determinados, focados, cegos de amor ou por qualquer outro motivo, impossibilitados de enxergar uma situação com clareza o suficiente, que não refletimos sobre ela, interpretamos de qualquer maneira e ignoramos, conscientemente ou não, o mais importante.
Citaria até Pequeno Príncipe: o essencial é invisível aos olhos.
Dessa forma, peço: calcem seus sapatinhos. Certifiquem-se de que ele está confortável e que há real importância em calçá-lo.
segunda-feira, 23 de junho de 2014
Me encontre domingo, no Tinder.
Domingo, dia oficial de sentir falta de alguém.
Não sei vocês, mas para mim, viver sempre me pareceu excepcionalmente difícil.
Decisões, inspirações, mudanças inesperadas, traumas, sustos, sonhos. Rotina.
Nunca fui muito de rotina, na verdade. Gosto de iniciar o dia quase em tom de desafio: vai, me surpreenda.
Dizem que tem a ver com meu signo.
Mas sou também grande reforçadora de estereótipos: garota de cidade grande, criada solta, obrigada determinada a seguir seus ideais.
Acordo em dias úteis relativamente cedo - considerando o horário de expediente -, tento não esboçar ~meu estilo radical~ na escolha de roupa, compro um pão de queijo e aproveito para identificar meu humor quando decido se tomo ou não um Toddynho.
Normalmente, pego um ônibus, o metrô, digo "bom dia" para motoristas e cobradores, mas quase choro se encontro algum conhecido que eu me sinta na obrigação de estender conversa.
Trabalho e milito. Necessariamente.
Antes das 18h, decido se vou encontrar algum amigo, resgatar bicho, encantar um novo garçom com minha melancolia simpática após cervejas.
Tudo isso em dias úteis.
Sextas, sábados e/ou feriados costumo buscar diversão.
De humildes cervejas improvisadas à baladas com open bar, planejadas com meses de antecedência, passando por cinema, parques e viagens. Importa mesmo é eu dar risada, dançar, reclamar da vida perto de quem merece minha confiança.
Aí chega o domingo.
Os jovens que me desculpem, mas sono é fundamental.
Preciso relaxar, fazer um balanço da semana, dar atenção às minhas séries, fazer cafuné nos meus gatos.
Tudo isso que faço sempre correndo ao longo dos dias e nunca consigo finalizar. Então, preciso de um dia para fazer direito. Dormir sem medo do despertador, achar uma nova maneira de lidar com ressaca ou com mau humor dos bichanos residentes, refletir sobre alguma crítica que foi levada a nível pessoal, comer pizza, tomar sorvete, ignorar o ponteiro da balança.
Domingo é dia de acalmar o coração.
Daí chegamos àquela verdade que é facilmente comprovada em uma olhada rápida no Facebook: quase ninguém curte ficar sozinho.
A gente faz carão pra foto, se orgulha da tolerância ao álcool, superestima os próprios talentos, se arrepende - e muito - de decisões afetivas, julga as dos outros, mas a verdade é sempre muito parecida. Tudo na vida é melhor com companhia. Boa companhia, né, por favor.
Disso tudo já sabemos, eu sei, me perdoem por ter repetido.
É que enquanto faço tudo isso dos meus dias, também brinco no Tinder.
Para os leigos ou comprometidos: é um aplicativo de ~paquera~. Você seleciona suas preferências e vai aparecendo na tela candidatos à sua companhia, no melhor estilo catálogo, onde você decide se o marca como interessante ou não. Se ambos vão com a cara do outro, a mágica do amor acontece abre-se uma nova aba onde podem trocar mensagens.
Já deu pra entender, né?
Lá você pode encontrar o amor da sua vida ou alguém para ter um encontro sexual na mesma hora para nunca mais ver a cara do parceiro.
De repente, até mesmo as duas coisas - seja com a mesma pessoa ou não.
Após algum tempo usando esse aplicativo, já encontrei de tudo. Mesmo. De stalkers psicopatas em potencial à românticos que queriam já marcar o casamento, passando por dezenas de amigos novos (Um, inclusive, acaba de se mudar para um apartamento novo com a namorada... que conheceu no Tinder. Oun.).
Colecionadora de matchs que sou, as conversas costumam se desenrolar até chegar aos questionamentos recíprocos do quê, afinal, a pessoa está procurando ali.
A verdade é que eu não sei.
To aí.
Mas queria deixar muito claro que existem tipos que NÃO conquistam ninguém - nem pra pedir favor. Considerando isso, fica aqui meu...
Manual de Boas Práticas no Tinder
- by Maybe
- Escreva algo na bio. Isso já vai adiantar MUITO na decisão da outra pessoa em tentar uma combinação ou não.
- Fotos aleatórias no exterior: APENAS queria ENTENDER a necessidade. Se a intenção for pagar de cool, interessado em cultura e/ou aventura, fica aqui o feedback pessoal dessa humilde usuária: não tá bom, não. Pelo contrário, me parece que a intenção é expôr que você tem grana e só. Foi mal.
- Frases supostamente de Clarice Lispector, Caio F. e amigos: Tudo bem, sei que falei pra escrever alguma coisa na Bio, mas pior coisa é entrar no Tinder e ficar em dúvida se acessou o Tumblr ou o Pensador por engano. É aplicativo para conhecer pessoas, amigo, não é livro de auto-ajuda.
- Fotos com animais domésticos é certeza de ganhar meu like. Invista!
- Foto forçando músculo sem camisa em frente ao espelho eu NEM sei como te explicar o quanto isso é constrangedor e NADA sexy. E se tu nem mesmo está dentro dos padrões impostos pela ditadura da beleza, me explica essa vontade de reforçá-la?????
- Número do celular na bio. Se você não consegue enxergar o quanto isso é absurdo, duvido que consiga te explicar. Mas bem superficialmente: se você é irresponsável e sem critério a ponto de espalhar um contato tão pessoal assim por aí para qualquer um apenas não daríamos certo nem pra beber uma cerveja.
Seguindo minhas dicas, já to torcendo pra você me achar por lá (Já fica aí a sugestão de incluírem uma busca, hein, desenvolvedores!).
Sabe como é, to sempre precisada de cafuné e companhia pra passar o domingo. ;)
quinta-feira, 1 de maio de 2014
Carta Aberta
São Paulo, 01 de maio de 2014, 02:11 am.
Não estou iniciando essa carta com um vocativo simplesmente porque não sei a quem endereçar.
Mas é muito importante que saibas. Para mim. Por mim.
É verdade que passei as últimas horaschorando me acabando em lágrimas questionando toda minha existência lendo as Cartas para Helena. Todas as palavras de uma mãe tão querida me tocaram de uma maneira, no mínimo, inspiradora. Por isso vim aqui escrever.
É verdade que sempre fui de desabafar no papel - que hoje se transformou em uma tela e um teclado. Também é verdade que sou feminista e entusiasmada com a maternidade ativa. Também tenho fortes ideais sobre respeito e humanidade - e foi por conteúdo feminista que cheguei até o blog da mãe da Helena.
Mas isso é só para indicar a linha de raciocínio usada para chegar até essas palavras que registro agora.
Minha mãe é o meu ser humano predileto, embora ela tenha absurdas falhas. Ela quase nunca me ouve, por exemplo. E ainda que eu tenha essas teorias quase comprovadas de que descaso e solidão são fatais para um ser humano, acho triste ver como a boa vontade não é suficiente para salvar as pessoas.
Mas é possível salvar as pessoas.
E por isso também não sei para quem destinar essa carta. Não sei, afinal das contas, se irei deixar um ser humano como legado ao mundo. Eu quero. Muito. Mas fora da maioria dos padrões que querem nos impôr - ainda mais em padrões afetivos.
Eu tenho muito, muito medo de passar por uma gestação. Os motivos vou deixar para contar em outro momento antes que a reflexão aqui fique confusa. Mas eu realmente quero acompanhar um ser humano, desde a sua concepção, e fornecer as melhores condições para que ele se torne uma pessoa absolutamente incrível.
Adoraria fazer parte da construção de um mundo capaz de desenvolver seres humanos incríveis.
(Veja bem, à essa hora eu "deveria estar no JUCA". É um evento esportivo universitário muito importante para a faculdade em que me formei. Não estou lá por inúmeros motivos de saúde e do coração. Mas eu vou na sexta-feira, então pode se acalmar.
Só citei esse fato para destacar a importância de que você leia esse desabafo.)
Eu - como a maior parte das pessoas, provavelmente - busco sempre o melhor.
Sendo um conceito abstrato, o "melhor" acaba variando bastante. Justamente por isso comecei a participar ativamente de lutas sociais.
Hoje mesmo minha mãe falou, após eu tecer mil comentários sobre o racismo velado, o quanto eu levo tudo muito ao pé da letra e que deveria "ficar mais na paz". Ela também manifestou seu desejo de que eu seja presidente da ONU um dia.
Acho que a questão é por aí.
Não quero, de maneira alguma, ditar que apenas a minha forma de enxergar é a correta, longe disso.
Mas acho que só explicando incansavelmente - ou seja, expondo as atitudes preconceituosos, desconstruindo nossos próprios preconceitos - e respeitando sempre, que é possível caminharmos rumo a um mundo mais justo. Mais bacana.
Eu quero fazer algo de bom pro mundo. É isso que me move - por mais tendências suicidas que se observem no meu comportamento e personalidade. Talvez justamente essas tendências suicidas sejam a demonstração do quanto quero oferecer ao mundo. Às pessoas, principalmente.
Gosto muito da vida, sabe? Só não gosto de viver mesmo. Mas acho essa possibilidade de, a cada dia, almejarmos o melhor e nos dedicarmos a se tornar melhores, fascinante.
Estou no projeto final para fundar uma ONG para apoiar pessoas. Tento incorporar todos meus princípios em cada gesto.
Tenho esse jeito forte, turrão, que tantas pessoas leem como egoísmo e grosseria quando queria apenas oferecer meus braços para que o mundo se apoiasse. Tento abraçar os mundos com as pernas, sabe?
Queria me explicar porque sei que muitas vezes não faço sentido - tal qual a vida.
Queria também copiar mil trechos das cartas da Paola para a pequena Helena para me justificar, assim como sempre fiz tantas outras vezes com Tati, com Caio, Clarice, Fe e mil compositores.
A questão é que não dá - porque não faz sentido. Explicar-me com palavras de outra pessoa?
Ainda que faça sentido para mim - em um ponto intrínseco e num momento singular - é quase irresponsável fazê-lo. Porque não é completamente honesto com nossa alma. Nossa alma é o próprio manifesto necessário do nosso ser.
Quem eu sou, afinal?
Eu sou boa. Sou completa. Me sinto infinita.
E já que sou, o jeito é ser.
Seja também.
Com amor,
Maiara.
Não estou iniciando essa carta com um vocativo simplesmente porque não sei a quem endereçar.
Mas é muito importante que saibas. Para mim. Por mim.
É verdade que passei as últimas horas
É verdade que sempre fui de desabafar no papel - que hoje se transformou em uma tela e um teclado. Também é verdade que sou feminista e entusiasmada com a maternidade ativa. Também tenho fortes ideais sobre respeito e humanidade - e foi por conteúdo feminista que cheguei até o blog da mãe da Helena.
Mas isso é só para indicar a linha de raciocínio usada para chegar até essas palavras que registro agora.
Minha mãe é o meu ser humano predileto, embora ela tenha absurdas falhas. Ela quase nunca me ouve, por exemplo. E ainda que eu tenha essas teorias quase comprovadas de que descaso e solidão são fatais para um ser humano, acho triste ver como a boa vontade não é suficiente para salvar as pessoas.
Mas é possível salvar as pessoas.
E por isso também não sei para quem destinar essa carta. Não sei, afinal das contas, se irei deixar um ser humano como legado ao mundo. Eu quero. Muito. Mas fora da maioria dos padrões que querem nos impôr - ainda mais em padrões afetivos.
Eu tenho muito, muito medo de passar por uma gestação. Os motivos vou deixar para contar em outro momento antes que a reflexão aqui fique confusa. Mas eu realmente quero acompanhar um ser humano, desde a sua concepção, e fornecer as melhores condições para que ele se torne uma pessoa absolutamente incrível.
Adoraria fazer parte da construção de um mundo capaz de desenvolver seres humanos incríveis.
(Veja bem, à essa hora eu "deveria estar no JUCA". É um evento esportivo universitário muito importante para a faculdade em que me formei. Não estou lá por inúmeros motivos de saúde e do coração. Mas eu vou na sexta-feira, então pode se acalmar.
Só citei esse fato para destacar a importância de que você leia esse desabafo.)
Eu - como a maior parte das pessoas, provavelmente - busco sempre o melhor.
Sendo um conceito abstrato, o "melhor" acaba variando bastante. Justamente por isso comecei a participar ativamente de lutas sociais.
Hoje mesmo minha mãe falou, após eu tecer mil comentários sobre o racismo velado, o quanto eu levo tudo muito ao pé da letra e que deveria "ficar mais na paz". Ela também manifestou seu desejo de que eu seja presidente da ONU um dia.
Acho que a questão é por aí.
Não quero, de maneira alguma, ditar que apenas a minha forma de enxergar é a correta, longe disso.
Mas acho que só explicando incansavelmente - ou seja, expondo as atitudes preconceituosos, desconstruindo nossos próprios preconceitos - e respeitando sempre, que é possível caminharmos rumo a um mundo mais justo. Mais bacana.
Eu quero fazer algo de bom pro mundo. É isso que me move - por mais tendências suicidas que se observem no meu comportamento e personalidade. Talvez justamente essas tendências suicidas sejam a demonstração do quanto quero oferecer ao mundo. Às pessoas, principalmente.
Gosto muito da vida, sabe? Só não gosto de viver mesmo. Mas acho essa possibilidade de, a cada dia, almejarmos o melhor e nos dedicarmos a se tornar melhores, fascinante.
Estou no projeto final para fundar uma ONG para apoiar pessoas. Tento incorporar todos meus princípios em cada gesto.
Tenho esse jeito forte, turrão, que tantas pessoas leem como egoísmo e grosseria quando queria apenas oferecer meus braços para que o mundo se apoiasse. Tento abraçar os mundos com as pernas, sabe?
Queria me explicar porque sei que muitas vezes não faço sentido - tal qual a vida.
Queria também copiar mil trechos das cartas da Paola para a pequena Helena para me justificar, assim como sempre fiz tantas outras vezes com Tati, com Caio, Clarice, Fe e mil compositores.
A questão é que não dá - porque não faz sentido. Explicar-me com palavras de outra pessoa?
Ainda que faça sentido para mim - em um ponto intrínseco e num momento singular - é quase irresponsável fazê-lo. Porque não é completamente honesto com nossa alma. Nossa alma é o próprio manifesto necessário do nosso ser.
Quem eu sou, afinal?
Eu sou boa. Sou completa. Me sinto infinita.
E já que sou, o jeito é ser.
Seja também.
Com amor,
Maiara.
"Quem em cada pouco põe tudo que é,
merece ser feliz.
E muito."
quarta-feira, 2 de abril de 2014
Ferida de luta, heroínas de guerra.
Não tive a oportunidade de me defender. Acreditava erroneamente que estava entre amigos e pessoas que queriam apenas curtir um sábado frio. Sim, frio. Mesmo que isso não seja nada relevante para o que aconteceu, vale detalhar que usava blusa de frio e meia calça. Era feriado também.
Num dia de festa, sofri um dos mais hediondos crimes. Não motivado por beleza, pelo meu caráter ou conduta sexual. O único motivo era que eu era um alvo. Porque é o que mulheres são.
Eu não entendi que o que havia acontecido comigo era estupro. Como muitas pessoas, eu imaginava que estupro era aquela situação em que você está andando sozinha em um lugar escuro e algum maníaco te agarra à força e te leva pro mato.
Achei que não era nada de mais, afinal. Eu era virgem, mas imaginei que era algo que "acontecia". Pessoas próximas e conhecidas souberam e ninguém considerou o caso como um crime. Também porque uma das características principais de abuso são quase imperceptíveis a olho nu: os danos causados. Principalmente na vítima.
Não denunciei. Não sabia que se aproveitar de uma pessoa inconsciente era estupro também.
Mas eu chorava todos os dias. Um grande amigo comprou pílula do dia seguinte e outra amiga se voluntariou para ir comigo ao médico.
Eu, só queria morrer. Me matar.
Foi a primeira vez que apresentei reais tendências suicidas.
Comprei veneno.
Não morri.
Não morri mas também os dias que se sucederam não foram o que se pode chamar de vida.
Nunca consegui me perdoar por ter saído de casa naquele dia, por ter deixado um cara que eu sempre considerei nojento se aproximar. Achava que a culpa era minha. Porque é o que vítimas sentem.
Curiosamente, mesmo que eu e as outras pessoas não soubessem/admitissem que eu havia sido vítima de uma agressão sexual, todos se certificavam de que eu não cruzasse mais com meu algoz. Demorou um ano para eu parar de andar com aquela turma de "amigos".
Demorou mais um ano para que eu tentasse me suicidar mais uma vez, só que dessa vez realmente chegando perto de alcançar meu objetivo.
Fiquei internada, prejudiquei seriamente minha saúde. Passei por vários tipos de tratamento - nenhum deles psicológico.
Como não havia morrido, tentei recomeçar. Até porque era o que havia de possibilidade. Honestamente, eu não sabia que aquela noite ruim em 2009 era a razão mais forte das minhas doenças e crises de depressão.
Nunca mais consegui ter nenhuma relação razoável. Sou problemática, sensível, assustada, nervosa e pouquíssimas pessoas costumam aguentar "meus dramas" por muito tempo. Não que eu mesma consiga.
Já inserida no feminismo, descobri que aquela noite ruim de anos atrás tinha nome e pena prevista em lei: estupro. Então, eu sabia, claro que eu sabia. Mas como se assume estuprada? Como se convive sabendo que não foi um mal entendido, não foi alguma atitude minha que fez com que eu me aparentemente disponibilizasse para sofrer aquilo? Não admitia. Sentir culpa também é um jeito complexo, mas sincero, de se fugir da dor mais latente.
Mas acontece que a culpa não era minha. Nunca foi e nunca será.
Apenas a verdade me ajudou a lidar com o problema.
Cinco anos depois, transformei um trauma em munição.
Eu não posso mudar o que aconteceu. Não posso impedir que estupradores sumam todos da face da Terra. Infelizmente, sabemos que estupros continuarão acontecendo.
Mas eu posso fazer hoje justamente o que não fizeram por mim, selando meu destino traumático.
Vítimas precisam saber que, por mais animalesco e injusto que seja, a nossa única defesa é nossa voz.
Denuncie!
Me exponho agora porque me escondi antes.
Agora grito, porque já me calei demais.
Violências acontecem mas nunca, sob nenhuma circunstância, isso pode ser considerado normal. Não é.
Absolutamente nenhum tipo de violência pode ser aceitável, mas objetos ainda podem ser recuperados. Vidas não.
Não deixe que experiências extraordinariamente terríveis definam quem você é. Não define.
Não cabe aqui te mentir falando que as pessoas entendem.
Tem gente que subestima, tenta relativizar, faz piada.
Mas você tem que respirar fundo e continuar vivendo, porque agora já aconteceu. Te resta viver com a ferida.
E enquanto você tá tentando voltar a respirar lembrando disso, tem um grupo muito grande rindo pra caralho.
Porque humilhar mulheres é engraçado.
Porque rodar faca em ferida é engraçado. (Lara Luccas)
Num dia de festa, sofri um dos mais hediondos crimes. Não motivado por beleza, pelo meu caráter ou conduta sexual. O único motivo era que eu era um alvo. Porque é o que mulheres são.
Eu não entendi que o que havia acontecido comigo era estupro. Como muitas pessoas, eu imaginava que estupro era aquela situação em que você está andando sozinha em um lugar escuro e algum maníaco te agarra à força e te leva pro mato.
Achei que não era nada de mais, afinal. Eu era virgem, mas imaginei que era algo que "acontecia". Pessoas próximas e conhecidas souberam e ninguém considerou o caso como um crime. Também porque uma das características principais de abuso são quase imperceptíveis a olho nu: os danos causados. Principalmente na vítima.
Não denunciei. Não sabia que se aproveitar de uma pessoa inconsciente era estupro também.
Mas eu chorava todos os dias. Um grande amigo comprou pílula do dia seguinte e outra amiga se voluntariou para ir comigo ao médico.
Eu, só queria morrer. Me matar.
Foi a primeira vez que apresentei reais tendências suicidas.
Comprei veneno.
Não morri.
Não morri mas também os dias que se sucederam não foram o que se pode chamar de vida.
Nunca consegui me perdoar por ter saído de casa naquele dia, por ter deixado um cara que eu sempre considerei nojento se aproximar. Achava que a culpa era minha. Porque é o que vítimas sentem.
Curiosamente, mesmo que eu e as outras pessoas não soubessem/admitissem que eu havia sido vítima de uma agressão sexual, todos se certificavam de que eu não cruzasse mais com meu algoz. Demorou um ano para eu parar de andar com aquela turma de "amigos".
Demorou mais um ano para que eu tentasse me suicidar mais uma vez, só que dessa vez realmente chegando perto de alcançar meu objetivo.
Fiquei internada, prejudiquei seriamente minha saúde. Passei por vários tipos de tratamento - nenhum deles psicológico.
Como não havia morrido, tentei recomeçar. Até porque era o que havia de possibilidade. Honestamente, eu não sabia que aquela noite ruim em 2009 era a razão mais forte das minhas doenças e crises de depressão.
Nunca mais consegui ter nenhuma relação razoável. Sou problemática, sensível, assustada, nervosa e pouquíssimas pessoas costumam aguentar "meus dramas" por muito tempo. Não que eu mesma consiga.
Já inserida no feminismo, descobri que aquela noite ruim de anos atrás tinha nome e pena prevista em lei: estupro. Então, eu sabia, claro que eu sabia. Mas como se assume estuprada? Como se convive sabendo que não foi um mal entendido, não foi alguma atitude minha que fez com que eu me aparentemente disponibilizasse para sofrer aquilo? Não admitia. Sentir culpa também é um jeito complexo, mas sincero, de se fugir da dor mais latente.
Mas acontece que a culpa não era minha. Nunca foi e nunca será.
Apenas a verdade me ajudou a lidar com o problema.
Cinco anos depois, transformei um trauma em munição.
Eu não posso mudar o que aconteceu. Não posso impedir que estupradores sumam todos da face da Terra. Infelizmente, sabemos que estupros continuarão acontecendo.
Mas eu posso fazer hoje justamente o que não fizeram por mim, selando meu destino traumático.
Vítimas precisam saber que, por mais animalesco e injusto que seja, a nossa única defesa é nossa voz.
Denuncie!
Me exponho agora porque me escondi antes.
Agora grito, porque já me calei demais.
Violências acontecem mas nunca, sob nenhuma circunstância, isso pode ser considerado normal. Não é.
Absolutamente nenhum tipo de violência pode ser aceitável, mas objetos ainda podem ser recuperados. Vidas não.
Não deixe que experiências extraordinariamente terríveis definam quem você é. Não define.
Não cabe aqui te mentir falando que as pessoas entendem.
Tem gente que subestima, tenta relativizar, faz piada.
Mas você tem que respirar fundo e continuar vivendo, porque agora já aconteceu. Te resta viver com a ferida.
E enquanto você tá tentando voltar a respirar lembrando disso, tem um grupo muito grande rindo pra caralho.
Porque humilhar mulheres é engraçado.
Porque rodar faca em ferida é engraçado. (Lara Luccas)
Se der, se você achar que aguenta, se sentir que pode, transforme toda a dor em luta também.
Eu não pude denunciar porque toda a sociedade me deteve. A exposição, o constrangimento, o medo de retaliação e exclusão social, as possíveis justificativas que até mesmo policiais criam.
Eu não tinha com quem contar e eu me arrependo. Não admita levar a culpa do que não fez. Converse com alguém de confiança. Conte para quem possa ajudar. Confie em quem goste de gente.
Vire o jogo.
sexta-feira, 28 de março de 2014
#EuNãoMereçoSerEstuprada
Se checarem as últimas postagens, podem acreditar que entraram no blog de uma das mais radicais feministas. Mas o que seria radical no feminismo? A ideia de que mulheres são gente?
Nunca vou cansar de dizer o quanto o feminismo me salvou. É evidente até mesmo aqui pelas postagens no blog quantas experiências traumáticas eu já vivenciei. Tanto que primeiramente encontrei refúgio apenas nas palavras, porque no mundo tátil nunca houve ninguém para me confortar.
O feminismo foi o primeiro lugar onde eu fui ouvida, respeitada e acolhida. Acredito que isso salve vidas.
Nunca quis também ser conhecida apenas por uma causa, seja ela qual fosse. Ideais, sim. Mas ninguém quer ser a feminista louca. O vegan chato. O esquerdista lunático.
Vivemos em um mundo que todos querem dar opinião sobre tudo mas ninguém aceita a de ninguém.
Participamos de uma sociedade com números alarmantes de depressão, transtornos, distúrbios, tendências suicidas justamente por ser uma sociedade doente mas qualquer um que assuma esse tipo de problema acaba destinado à exclusão social e julgamentos morais.
Gosto sempre de pedir para que cuidemos mais um dos outros. Só isso. Empatia, respeito, solidariedade. Não dói, não custa e salva vidas.
Quanto vale uma vida pra você?
Pensei em registrar nesse texto, aproveitando o tema inicial, os dados de casos de violência sexual. Numa semana em que constatou-se através de pesquisa que as feministas não são loucas e que tem muita gente que justifica violência por aí, não parecia repetitivo expôr esses números. Mas daí vi novamente o quanto somos sozinhos - até mesmo nas nossas lutas.
Por aqui, vocês podem até dizer que um decote ou uma minissaia seja provocação, mas do outro lado do mundo, onde mulheres usam burcas, eles dizem que é o rímel. Na verdade, o patriarcado sempre colocará a culpa na mulher. A mulher que não estava completamente agasalhada mesmo em um dia que o termômetro atingiu quarenta graus, a mulher que confiou, a mulher que respondeu, a mulher que saiu de casa. A mulher é culpada porque ela é o alvo. E só.
Qual é essa relação sugerida entre expôr uma parte de corpo e "merecer" respeito? Não devíamos sempre partir do pressuposto que todos nós, seres humanos, somos iguais e merecemos respeito e direitos iguais? Por quê a escolha das minhas vestimentas deveria ser responsabilidade de outra pessoa que não eu mesma? E por que essa escolha deveria resultar ou não em sofrer uma violência? Isso não me parece civilizado. É barbárie.
Ainda que as respostas para os questionamentos acima fossem diferentes do que entendemos como respeito, temos outros problemas. Esqueça o mito de que estupradores são seres que vivem no esgoto e espreitam becos esperando uma jovem bela e indefesa passar pelo suposto lugar errado. Isso pode ser um bom enredo de filme, mas não é muito condizente com a realidade. Estupradores estão aí. Eles trabalham, estudam, namoram, tem mãe, pai, irmã e cachorro. São amigos, tios, pais, irmãos ou colegas de trabalho. Ao menos 75% deles.
Estupro não tem a ver com sexo ou atração. Estupro se trata de poder, de humilhação, de impôr uma vontade sobre outra pessoa que não pode se defender. Estuprador é o pedófilo, mas também é o amigo que embebedou a vítima para levá-la pra casa e colocá-la em uma situação que ela não poderia consentir. Estuprador também é o homem que não estupra, mas faz piada. Estuprador é o responsável pelo estupro e o único responsável pelo estupro é quem tenta justificar algo tão grotesco. É exatamente isso que legitima a ação. O estupro só acontece porque a sociedade é conivente com ele.
Mas diante do resultado da pesquisa do IPEA, onde verifica-se que 65% das pessoas acreditam que mulher que mostra o corpo merece ser estuprada, viemos falar que o 35% que discorda, DISCORDA COM VEEMÊNCIA.
Uma mulher que mostra o corpo (quanto do corpo? qual parte? em qual ocasião? quem decide isso?) não merece ser estuprada. Uma mulher que não mostra o corpo não merece ser estuprada. Quem bebe, não merece ser estuprado. Quem pratica yoga, não merece ser estuprado. Porque ninguém merece ser estuprado. Nunca, de jeito nenhum, em nenhuma circunstância. Ninguém merece ser estuprado.
Nem você, que concorda com violência, merece.
Assim como estupradores são seres humanos comuns, suas vítimas também o são. São suas chefes no trabalho, suas colegas de faculdade, sua melhor amiga. Ou até mesmo você. Admitir-se estuprada é tão difícil quanto passar pela experiência. Quando falei publicamente da agressão sexual que sofri, pude confirmar isso: meu e-mail, meu twitter e meu facebook pipocou de relatos de outras mulheres, muitas amigas minhas, contando seus próprios traumas.
A gente precisa lutar contra o estupro, combatê-lo, mas para isso precisamos nos unir.
O protesto não é sobre falar para homens não estuprarem. Homens não devem estuprar e todos sabem disso, até estupradores, imagino. Mas as mulheres precisam saber que por mais que tentem justificar, nenhuma violência é aceitável. Nada justifica alguém invadir seu direito de escolha e seu corpo. Numa sociedade onde mulheres são vistas como propriedade de homens, esse protesto se tratas do que as mulheres acham de tudo isso, porque o assunto é sobre a gente, nossos corpos. É sobre mulher ter voz.
Um protesto sobre mulheres, para mulheres. Se querem passar a mão na cabeça de estuprador, é um problema que abordamos outra hora, de outra maneira. O ponto aqui é que não aceitamos essas justificativas e o silenciamento. Nunca mais.
"Só por isso" o protesto. Para afirmarmos para quem ainda tem dúvida de que meu corpo não é público e só eu posso tomar as decisões que o envolvem. Coloquei uma folha sulfite sobre meus seios e tirei uma foto. Por quê alguém se sentiria ofendido por causa disso? Ofendida fico eu de não poder tirar a foto mostrando-os de fato, porque eu poderia ser ainda mais apontada na rua, julgariam meu caráter e o facebook removeria a foto porque isso não está de acordo com os termos de uso, que permitem a exibição de um peito desnudo se for de um corpo masculino. A única razão do protesto é estarmos - por motivos óbvios - insatisfeitas por ainda não sermos livres.
Hoje ficará marcado como MAIS UM DIA de LUTA.
#EuNãoMereçoSerEstuprada #NinguémMereceSerEstuprado #NÃOéNão #MeuCorpoMinhasRegras #VaiTerQueRespeitar
Ps: Não faz o menor sentido você se admirar com a força e capacidade de superação de vítimas, se acredita que "se as mulheres se comportassem melhor elas não seriam estupradas". Quem tem que se comportar melhor é quem estupra.
Ps²: Se você continua reprovando o protesto, recomendo que dê uma olhada no tipo de violência que sua opinião promove: aqui.
Ps³:
terça-feira, 18 de março de 2014
aBBBuso
Não chegou a completar uma semana que eu escrevi publicamente, pela primeira vez, sobre a agressão sexual que sofri e eis que acontece uma polêmica relacionada ao tema no Big Brother Brasil 14. Muitas pessoas vieram perguntar qual era minha opinião, enquanto mulher, enquanto feminista e enquanto vítima.
Infelizmente também é uma cena bastante comum em qualquer balada. Isso se dá, novamente, pelo machismo. O fato de ser "comum" não significa que é aceitável e que não acarrete em desconforto pra vítima.
Acredito que o mais importante nessa situação seja reconhecermos que essa insistência, a atitude de "forçar a barra", a incapacidade de aceitar recusas, não é mera "chatice" do autor. É abuso. Abuso. É algo grave, pode evoluir para crimes hediondos, pode gerar traumas e não deve ser aceito em nenhuma circunstância.
Qualquer dia desses, a gente ainda vence o mais realista dos shows. O mundo é nosso também.
Pois bem.
Vamos começar pelo significado de ABUSO:
"O termo ou ideia de abuso aplica-se a qualquer ação onde exista uma pré-condição de desnível de poder, seja ele sobre objetos, seres, legislações, crenças ou valores. Entendendo-se poder como uma condição de possibilidade de ação, em função do desejo ou iniciativa consciente ou não, a contrapartida da liberdade absoluta de ação são os delimitadores que ocorrem na realidade."
"O termo ou ideia de abuso aplica-se a qualquer ação onde exista uma pré-condição de desnível de poder, seja ele sobre objetos, seres, legislações, crenças ou valores. Entendendo-se poder como uma condição de possibilidade de ação, em função do desejo ou iniciativa consciente ou não, a contrapartida da liberdade absoluta de ação são os delimitadores que ocorrem na realidade."
Também é o momento de observar que vivemos em uma sociedade machista, ou seja, a mulher sempre é enxergada em posição INFERIOR a de um homem. (Quem nunca observou com surpresa uma delegada liderando soldados do sexo masculino, por exemplo? Não é papo de feminista louca, isso existe mesmo, né?)
O que sabemos que Marcelo fez, de fato, com Angela é que mesmo após repetidos e convictos NÃO's, e mesmo com a garota visivelmente embriagada, Marcelo não se esquivou e continuou insistindo interações "carinhosas".
Isso é, sim, abuso.
Isso é, sim, abuso.
Infelizmente também é uma cena bastante comum em qualquer balada. Isso se dá, novamente, pelo machismo. O fato de ser "comum" não significa que é aceitável e que não acarrete em desconforto pra vítima.
Acredito que o mais importante nessa situação seja reconhecermos que essa insistência, a atitude de "forçar a barra", a incapacidade de aceitar recusas, não é mera "chatice" do autor. É abuso. Abuso. É algo grave, pode evoluir para crimes hediondos, pode gerar traumas e não deve ser aceito em nenhuma circunstância.
Até aí, nesta situação, Cássio estava certo. Metida a salvadora da pátria que sou, digo ainda que ele demorou demais a agir. (Viu, lindas? Sabe aqueles caras enchendo o saco na balada? Pode berrar que é abuso e não aceita, não!)
O agravante da situação foi, justamente, a ignorância que as pessoas mantém acerca de assuntos que envolvam violência psicológica.
Então Cássio se excedeu, transformou uma infração moral em crime sexual e a coisa degringolou. (Não que um abuso seja menos digno de atenção, mas acusar alguém de estupro, justamente pela gravidade, não é algo que se deva fazer em vão.)
Não vou nem me dar ao trabalho de explicar que em hipótese alguma Angela tem qualquer culpa na história porque suponho que alguém que esteja lendo um texto meu e culpabilize mulheres, deve estar perdido ou ter clicado em algum link errado. Mas é sempre importante também apoiar as vítimas. Ela vai sentir culpa, vai questionar as próprias ações. Aí voltamos na lição 1 da cartilha da feminista fofa: Nada justifica um abuso.
Quero dizer que, embora machista e tendo cometidos abusos contra a Angela, acredito (e talvez exista excesso de esperança na minha crença) que Marcelo pode, sim, reconhecer que passou dos limites, pedir desculpas e deixar de ser um abusador.
Logicamente, eu sou contra qualquer tipo de abuso! Obviamente, defendo que toda mulher deva se levantar e se manifestar contra qualquer interação não consentida. Não somos objetos, não somos propriedades, não somos domínio público.
Pensando apenas no BBB, e me perdoem por isso, temos ainda outro problema.
Cássio é um misógino. Fez diversas publicações em redes sociais com "piadas" como aquelas falando que mulher não sabe dirigir e até outras bem mais CRIMINOSAS como elogiar (!) a escravidão de negros. Dentro do reality show, Cássio rouba selinho, agride psicologicamente, faz inúmeros comentários racistas e "brincadeiras" de cunho sexual com as mulheres e, inclusive, todas já discutiram com ele ao serem "alisadas" (Inclusive Angela, que ele diz estar defendendo agora).
Isso traz mais reflexões:
Como eliminar Marcelo do programa se tantos outros abusos passam "despercebidos" e/ou sem punição? Porque pensando em EDUCAR e CONSCIENTIZAR os telespectadores, suponho que a mensagem não será recebida da forma correta.
Imaginem: Se Marcelo é eliminado, "estamos dizendo" que as atitudes - tanto ou até mais - abusivas do suposto defensor Cássio são aceitáveis. Se Marcelo não é eliminado, as meninas, garotas e mulheres do país vão questionar se "é exagero" reclamar de passada de mão em balada ou transporte público, ou quando é assediada mesmo via internet.
Como mais um dia normal no patriarcado, o resultado será negativo para as mulheres.
Porém, daqui do meu humilde posto de quem já foi vítima, como mulher, como feminista, como amiga, quero apenas falar:
Cuidem uma das outras. Não aceitem nenhum comportamento abusivo. Denunciem.
Cuidem uma das outras. Não aceitem nenhum comportamento abusivo. Denunciem.
Qualquer dia desses, a gente ainda vence o mais realista dos shows. O mundo é nosso também.
domingo, 9 de março de 2014
Um nasce pra chorar enquanto o outro ri?
Ontem fizeram uma piada sobre estupro. Calmamente, comentei que não achava bacana fazer piada sobre esse tipo de violência. Principalmente porque estupro não necessariamente deixa marcas físicas, mas são as mais profundas que já tive conhecimento.
O autor da suposta piada disse que era frescura. Esboçou um argumento frágil sobre liberdade de expressão. Questionou meu senso de humor e indagou sobre minha postura de opinar no riso alheio.
Essa foi a cena, se você estivesse vendo de fora.
Por dentro, lembrei de quando roubaram minha pureza. Recordei, ainda que com limitações, de quando alguém colocou o corpo sobre o meu e me invadiu. Invadiu meu corpo. Invadiu minha alma. Me quebrou.
Cada dia da minha vida eu tento ignorar essas lembranças e agir como se algo tão devastador não tivesse me ocorrido. Ignoro minha própria dor, do melhor jeito que consigo. Normalmente, só comento sobre essa trágica experiência como forma de protesto e apenas com pessoas que sei que entenderão.
Cada dia da minha vida eu tento ignorar essas lembranças e agir como se algo tão devastador não tivesse me ocorrido. Ignoro minha própria dor, do melhor jeito que consigo. Normalmente, só comento sobre essa trágica experiência como forma de protesto e apenas com pessoas que sei que entenderão.
Mas hoje decidi escrever. Finalmente abordar o tema de forma pessoal.
Hoje não quero mais me calar.
Poderia escrever esse texto focando no chamado politicamente correto e repetindo o que todos já sabem: não há sequer sentido - quem dirá graça - em fazer humor com quem já sofre. Não deveria interessar à ninguém oprimir ainda mais quem já é oprimido rotineiramente. Isso é chutar cachorro morto. Suponho também, em opinião pessoal, que essa atitude parta de quem não tem lá muito caráter. Mas isso é apenas o que eu mesma vi da vida. Se você, anônimo, considera engraçado transformar um dos momentos mais aterrorizantes de alguém em uma piada, acredito que devo respeitar sua conduta. Quem sou eu para dizer o que tem ou não graça? É que quando me estupraram, eu perdi a graça. Deixei de ver graça na vida mesmo, vai ver. Quando fazem um comentário tão supostamente engraçado sobre violência sexual, talvez eu não acompanhe o riso porque eu lembro da força que fiz para me desvencilhar. É uma possibilidade que eu não aceite esse tipo de "piada" porque eu demorei anos para aceitar que levaram um pedaço meu quando fui vítima. Talvez eu não ria porque enquanto me estupravam, eu estava chorando.
Ontem foi o dia internacional da mulher, que muitos julgam desimportante. Eu não tenho nada contra receber flores, porque acho que cada mulher nesse mundo realmente merece qualquer tipo de felicitação, em contraponto ao tudo que passam e suportam a cada dia. Espero apenas que ninguém acredite que uma amostra da flora do planeta compense sequer um segundo de um dia qualquer na pele feminina.
Ontem foi o dia internacional da mulher, que muitos julgam desimportante. Eu não tenho nada contra receber flores, porque acho que cada mulher nesse mundo realmente merece qualquer tipo de felicitação, em contraponto ao tudo que passam e suportam a cada dia. Espero apenas que ninguém acredite que uma amostra da flora do planeta compense sequer um segundo de um dia qualquer na pele feminina.
Ontem eu não recebi flor, mas fui informada que não deveria me doer se alguém achasse engraçado a violência que eu sofri. Violência que tantas MILHARES de mulheres sofrem, sofreram ou sofrerão.
Ontem eu percebi na prática que cada um até deve ter o direito de rir do que quiser. Apenas não deve esperar que eu ria contigo.
Ontem é passado. O futuro mais justo e mais seguro eu estou construindo.
Após as violências que eu sofri, fiquei resistente. Forte. Sorrisos voltaram a comparecer na minha face.
Entre tantos ditados populares machistas, aposto agora todas as minhas fichas em:
Quem ri por último, ri melhor.
Quem ri por último, ri melhor.
sábado, 8 de março de 2014
Para não dizer que rejeitei as flores
Toda mulher sabe o quanto é difícil viver com uma sociedade inteira nos cobrando a perfeição.
Claro que o mundo cobra todo mundo, mas hoje é dia de falar das menos privilegiadas: as mulheres.
Dirão que é drama, que é rebeldia sem causa, que é falta de piroca, que é tpm.
Até quando queremos desabafar para o mundo a nossa injusta realidade, somos apontadas e perseguidas.
Porque se eu não aceito ficar com um cara, eu estou fazendo cu doce. E vou ficar encalhada. Para os machistas, nada mais lamentável do que uma mulher encalhada, não é mesmo? Se eu distribuo beijo na boca por aí, sou uma vagabunda. Se não quero ter filhos, sou amarga. Se quero priorizar minha carreira sem constituir família, então, sou pirada. Dizem por aí que estupro é um crime terrível, mas se eu bebi, a culpa foi minha. Se estava de roupa curta, estava pedindo. Não importa quantos graus faça no calor de um país tropical, querem sempre estabelecer qualquer relação entre meu caráter e a roupa que escolhi ou minha conduta sexual. Esquecem que nos países que tem as mais alarmantes taxas de estupro, as mulheres costumam andar quase que inteiramente cobertas. Esquecem também que eu tenho que trabalhar porque mulher que não trabalha fora é mercenária, mas a arrumação da casa e a educação dos filhos também é de minha responsabilidade, porque supostamente algum deus machista também impôs que era assim que as coisas deveriam funcionar. Mas se eu falo que sou feminista, falam que os homens que sofrem porque a aposentadoria masculina sai cinco anos depois. Ao apontarmos a opressão de cada dia, muitos falam que a causa feminista não é justa porque não luta pelo alistamento obrigatório feminino, como se fizesse qualquer sentido alguém lutar por algo assim. Mas quando falamos que todos seres humanos deveriam ser livres e respeitados, somos loucas. Quando uma mulher se destaca em uma profissão, ela é musa ou deu pra alguém. Ignoram convenientemente que ainda recebemos salários mais baixos para executar o mesmo trabalho. E aí chega o dia internacional da mulher e querem nos dar flores.
Oferecer uma flor para uma mulher pode ser legal, vai da preferência individual e receio que não seja necessário uma data específica para potencializar o comércio floricultor, muito menos em razão de um gênero. Mas não acredite que flores compensam cada violência que toda mulher sofre cada dia da sua vida.
Mulheres morrem todos os dias por causa do machismo. Companheiros, pais, familiares e amigos espancam mulheres por causa do machismo. Homens estupram mulheres por causa do machismo.
Nesse oito de março, gostaria apenas de dizer que não. Não tenho que aceitar essa opressão e não vou mais me calar. Não sou máquina de reprodução, não sou objeto de julgamento da sua moral pessoal e questionável, não sou submissa, não tenho de viver sob as margens do que desenharam para mim, não quero mais ser oprimida.
Eu não creio num mundo melhor.
Eu CRIO um mundo melhor.
Eu sou feminista.
Entre tantos desafios, hoje é dia de lembrar porque a luta existe, e dela não nos retiraremos.
Não mereço flores, mereço respeito.
Claro que o mundo cobra todo mundo, mas hoje é dia de falar das menos privilegiadas: as mulheres.
Dirão que é drama, que é rebeldia sem causa, que é falta de piroca, que é tpm.
Até quando queremos desabafar para o mundo a nossa injusta realidade, somos apontadas e perseguidas.
Porque se eu não aceito ficar com um cara, eu estou fazendo cu doce. E vou ficar encalhada. Para os machistas, nada mais lamentável do que uma mulher encalhada, não é mesmo? Se eu distribuo beijo na boca por aí, sou uma vagabunda. Se não quero ter filhos, sou amarga. Se quero priorizar minha carreira sem constituir família, então, sou pirada. Dizem por aí que estupro é um crime terrível, mas se eu bebi, a culpa foi minha. Se estava de roupa curta, estava pedindo. Não importa quantos graus faça no calor de um país tropical, querem sempre estabelecer qualquer relação entre meu caráter e a roupa que escolhi ou minha conduta sexual. Esquecem que nos países que tem as mais alarmantes taxas de estupro, as mulheres costumam andar quase que inteiramente cobertas. Esquecem também que eu tenho que trabalhar porque mulher que não trabalha fora é mercenária, mas a arrumação da casa e a educação dos filhos também é de minha responsabilidade, porque supostamente algum deus machista também impôs que era assim que as coisas deveriam funcionar. Mas se eu falo que sou feminista, falam que os homens que sofrem porque a aposentadoria masculina sai cinco anos depois. Ao apontarmos a opressão de cada dia, muitos falam que a causa feminista não é justa porque não luta pelo alistamento obrigatório feminino, como se fizesse qualquer sentido alguém lutar por algo assim. Mas quando falamos que todos seres humanos deveriam ser livres e respeitados, somos loucas. Quando uma mulher se destaca em uma profissão, ela é musa ou deu pra alguém. Ignoram convenientemente que ainda recebemos salários mais baixos para executar o mesmo trabalho. E aí chega o dia internacional da mulher e querem nos dar flores.
Oferecer uma flor para uma mulher pode ser legal, vai da preferência individual e receio que não seja necessário uma data específica para potencializar o comércio floricultor, muito menos em razão de um gênero. Mas não acredite que flores compensam cada violência que toda mulher sofre cada dia da sua vida.
Mulheres morrem todos os dias por causa do machismo. Companheiros, pais, familiares e amigos espancam mulheres por causa do machismo. Homens estupram mulheres por causa do machismo.
Nesse oito de março, gostaria apenas de dizer que não. Não tenho que aceitar essa opressão e não vou mais me calar. Não sou máquina de reprodução, não sou objeto de julgamento da sua moral pessoal e questionável, não sou submissa, não tenho de viver sob as margens do que desenharam para mim, não quero mais ser oprimida.
Eu não creio num mundo melhor.
Eu CRIO um mundo melhor.
Eu sou feminista.
Entre tantos desafios, hoje é dia de lembrar porque a luta existe, e dela não nos retiraremos.
Não mereço flores, mereço respeito.
quarta-feira, 5 de março de 2014
Eu não sei ao certo porque isso vem me intrigando e mantendo meus olhos arregalados todos os dias ao dormir. Independente de prover da criação, ou da própria personalidade eu vivi 21 anos sendo assim. Não tinha porque me rebelar por algo que estava incorporado e o qual eu já havia me acostumado. Tão normal, que até as suas conseqüências eram aceitas. Eu já nem cobrava mais. Nem de mim, nem de terceiros.
Assim como lavar o rosto pela manhã, eu seguia acreditando nas pessoas. Se duvidar, senão mais banal.
Por achar fantástico o relacionamento humano, qualquer nova pessoa conhecida, automaticamente umanova amizade. Entrega e carinho já fazia parte do pacote, sem adicionais. E fui dando cara, perna, braço e coração à tapa. Mesmo destruída e com cicatrizes ainda abertas, fui aceitando desafios. “Opa, pode entrar.” Sem esperar algum retorno, inconscientemente eu fui esquecendo do que foi aprendido sobre reciprocidade.
E não é que agora eu vá ficar só, até porque eu não acredito que a solidão dê certo. Mas digamos que foi aberta a temporada do auto questionamento e a boa nova é seleção. Parece-me apropriado iniciar o ano tomando essa atitude. É feito limpar o armário: o que é bom e ainda serve, fica.
É o momento certo para administrar quem terá o prazer e principalmente potencial para receber os meus cuidados.
E não é marketing, não. Mas se existe algo em que me tornei phd, foi na meteria dos ursinhos carinhosos. “Seja boazinha, trate com carinho e te submetas”.
Um breve comercial então.
Eu vou doar pra também receber. Caridade eu estou fazendo pra quem precisa. Não quero mais brincar dessa chatice de preocupação em vão. Parceria então, agora é objeto para colecionador.
Durante todos esses anos ninguém nem ao menos ressarciu meus analgésicos! E quem soube valorizar já nem deve mais estar me lendo. E sabe que eu manifesto um “obrigada senhor” todas as noites.
Agora ao restante, nem uma segunda chance. Eu estou ouvindo uma cabeça que enfim voltou a funcionar e dormindo em paz outra vez. Todos o peso morto adquirido em anos está à um passo de ser liquidado.
Façam as malas, meu signo mudou.
Fe Gava.
(antes de 2006 eu já tinha achado boas referências, sabe. voltei.)
Assim como lavar o rosto pela manhã, eu seguia acreditando nas pessoas. Se duvidar, senão mais banal.
Por achar fantástico o relacionamento humano, qualquer nova pessoa conhecida, automaticamente umanova amizade. Entrega e carinho já fazia parte do pacote, sem adicionais. E fui dando cara, perna, braço e coração à tapa. Mesmo destruída e com cicatrizes ainda abertas, fui aceitando desafios. “Opa, pode entrar.” Sem esperar algum retorno, inconscientemente eu fui esquecendo do que foi aprendido sobre reciprocidade.
E não é que agora eu vá ficar só, até porque eu não acredito que a solidão dê certo. Mas digamos que foi aberta a temporada do auto questionamento e a boa nova é seleção. Parece-me apropriado iniciar o ano tomando essa atitude. É feito limpar o armário: o que é bom e ainda serve, fica.
É o momento certo para administrar quem terá o prazer e principalmente potencial para receber os meus cuidados.
E não é marketing, não. Mas se existe algo em que me tornei phd, foi na meteria dos ursinhos carinhosos. “Seja boazinha, trate com carinho e te submetas”.
Um breve comercial então.
Eu vou doar pra também receber. Caridade eu estou fazendo pra quem precisa. Não quero mais brincar dessa chatice de preocupação em vão. Parceria então, agora é objeto para colecionador.
Durante todos esses anos ninguém nem ao menos ressarciu meus analgésicos! E quem soube valorizar já nem deve mais estar me lendo. E sabe que eu manifesto um “obrigada senhor” todas as noites.
Agora ao restante, nem uma segunda chance. Eu estou ouvindo uma cabeça que enfim voltou a funcionar e dormindo em paz outra vez. Todos o peso morto adquirido em anos está à um passo de ser liquidado.
Façam as malas, meu signo mudou.
Fe Gava.
(antes de 2006 eu já tinha achado boas referências, sabe. voltei.)
segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014
Tem um coração no meu sapato.
Existe uma diferença substancial entre se apaixonar e entregar o coração para outra pessoa.
Não sei vocês, mas comigo pelo menos, isso é evidente.
Você pode se apaixonar facilmente. Não significa que você quer comprar aquela paixão. É tipo compras mesmo: às vezes o sapato é lindo, te serviu, está dentro do que você pode pagar mas... você só não quer ver se ele vai durar ou te machucar um dia.
Sim, minha analogia preferida: homens e sapatos.
Voltando ao exemplo fútil, não quer dizer que não me apaixonei pelo sapato. Só tenho medo de sair no prejuízo.
Claro que as vezes estamos muito tristes e só precisamos comprar um sapato para manter a respiração. Mas é carência. É outra coisa.
O sapato ideal talvez não exista. Ao menos não para todo mundo. Não dá pra ser lindo, fiel, com sonhos razoáveis e que te diga "eu te amo" sincero todo dia de manhã. Dá? Eu tenho sapatos que eu defenderia com a vida, na tonalidade certa, confortáveis, valeram o investimento... mas tem um defeitinho, sabe? Acredito que seja natural.
O que estou tentando dizer é que eu posso me apaixonar. Já fiz isso várias vezes. Normalmente, escolho a forma que eu pareço idiota. Mas até gosto, sabe? Aquela ansiedade quando o telefone toca, o sorriso que escapa na hora errada ao encarar a tela do computador... Até quem é casado - e muito bem casado, obrigado - deve sentir falta dessas paixões. Essa que a gente tá arriscando ainda. Quando a gente não consegue nem esboçar uma previsão se vai acabar em bodas com os netos ou em terapia semanal. Medinho com borboletas no estômago é legal, sim, nem venha falar que não.
A gente é que não sabe aproveitar na hora. (Fica tranquilo, ninguém sabe lidar, muito menos eu.)
Se apaixonar é legal. Mas não quer dizer que você queira cair no choro toda vez que ouvir o nome da pessoa no futuro. Emily de A Lot Like Love foi taxativa: se você não está disposto a parecer um idiota, não merece se apaixonar.
E é verdade.
Não é?
Ás vezes a gente só não quer parecer idiota. Se vai perder o amor da sua vida tomando essa decisão, que seja. Tudo bem não estar pronto para a parte ruim do amor.
Tem muita gente que diz que quando dói, não pode ser amor. Dizem que o que dói é solidão, rejeição, indiferença, não amor. Não é bem verdade. Amor é combo. É um sentimento tão incrível e intenso que tem que estar disposto a tudo.
E quando a gente pega o jeito da coisa - essa que a gente chama carinhosamente de vida -, até pode ser que gostemos de uma pessoa. Rola um frio na barriga e você ri de coisas que nem tem tanta graça assim. Mas você só não vai poder lidar com o sofrimento do fim, caso ele venha. Não é covardia, é auto-proteção.
E eu entreguei meu coração. Duas vezes, em 21 anos. Me apaixonei umas dez.
As paixões foram legais. Tá. Sofri tal qual uma desgraçada quando acabou, mas todo mundo sabe dessa minha predisposição ao drama.
Mas foi bacana. Sentia toda aquela empolgação, desenhava corações em cada canto que sobrasse perto de mim quando eu dispunha de uma caneta, ouvia música brega e me identificava... As vezes o carinha me enrolava, outras eu até achava aqueles olhos verdes incríveis mas queria aproveitar o feriado na praia, outras ele fazia algum comentário bobo sobre futebol e eu decidia que não dava mais. Tudo isso só acontece quando a gente não entrega nosso coração. É a paixão amadora. Se não der certo, você liga para uns amigos e em 3 doses de tequila não sofre mais. Fica chateada, porque, quem nunca?, mas está ciente que sua vida não acabou.
Ao entregar o coração, é diferente. Você até está ciente que a pessoa pode não cuidar, mas você basicamente entrega o órgão na mão dela (o coração, ô mente poluída!) e fala: tó, faz o que quiser.
Você espera que ela cuide, mas ela pode muito bem jogar na lixeira mais próxima, quando como recebemos flyer de Trago Seu Amor De Volta Em Sete Dias (sério, não leia esse flyer, você é bonita, dá conta sozinha!). Pode nem jogar na lixeira, pode jogar direto no chão. E você além de magoada, vai ficar brava com a falta de civilidade e higiene do amado. E vai pagar mico, vai ligar pra amigo pedindo companhia para beber tequila, mas ainda vai chegar em casa triste e vai procurar no bolso o flyer para ao menos ir pedir uns conselhos pro pai de santo simpático.
Com o coração em mãos que não são as suas, você tenta enxergar diretamente por ele. Vislumbra todo um futuro que conta com uma casa de cerca branca, dois cachorros e um jardim. Possivelmente você nunca irá morar numa casa de cerca branca mas descobre que quer ou poderia querer coisas que não havia cogitado antes. Você para de querer a casa porque deve ser um inferno para limpar a tal cerca, mas dá entrada num apartamento. Você cresce. Entende porque nunca tinha entregado o coração antes.
Talvez a diferença se trate apenas do nível de envolvimento. Para mim, se trata de fé e confiança.
Eu não aposto em nada que envolva dinheiro ou meu sorriso. Me julguem. Entregar um coração envolve dinheiro (aguardando estorno de cada centavo gasto, por gentileza) e meu sorriso (existe algum tutorial que vocês mostram para bebês? Preciso lembrar como fazer).
Teoria da Cinderela, né? A gente acha que perdeu uma coisa importante demais para deixar pra lá.
E voltamos aos sapatos.
(Maiara tem 21 anos, está com dor de cotovelo e só é adepta da teoria da branca de neve)
Ps: Sei que tem gente que consegue entregar o coração por aí como se fosse bala. Não tem problema. Mas esse texto apenas não é sobre vocês e essa fé na vida que eu morro de inveja.
Não sei vocês, mas comigo pelo menos, isso é evidente.
Você pode se apaixonar facilmente. Não significa que você quer comprar aquela paixão. É tipo compras mesmo: às vezes o sapato é lindo, te serviu, está dentro do que você pode pagar mas... você só não quer ver se ele vai durar ou te machucar um dia.
Sim, minha analogia preferida: homens e sapatos.
Voltando ao exemplo fútil, não quer dizer que não me apaixonei pelo sapato. Só tenho medo de sair no prejuízo.
Claro que as vezes estamos muito tristes e só precisamos comprar um sapato para manter a respiração. Mas é carência. É outra coisa.
O sapato ideal talvez não exista. Ao menos não para todo mundo. Não dá pra ser lindo, fiel, com sonhos razoáveis e que te diga "eu te amo" sincero todo dia de manhã. Dá? Eu tenho sapatos que eu defenderia com a vida, na tonalidade certa, confortáveis, valeram o investimento... mas tem um defeitinho, sabe? Acredito que seja natural.
O que estou tentando dizer é que eu posso me apaixonar. Já fiz isso várias vezes. Normalmente, escolho a forma que eu pareço idiota. Mas até gosto, sabe? Aquela ansiedade quando o telefone toca, o sorriso que escapa na hora errada ao encarar a tela do computador... Até quem é casado - e muito bem casado, obrigado - deve sentir falta dessas paixões. Essa que a gente tá arriscando ainda. Quando a gente não consegue nem esboçar uma previsão se vai acabar em bodas com os netos ou em terapia semanal. Medinho com borboletas no estômago é legal, sim, nem venha falar que não.
A gente é que não sabe aproveitar na hora. (Fica tranquilo, ninguém sabe lidar, muito menos eu.)
Se apaixonar é legal. Mas não quer dizer que você queira cair no choro toda vez que ouvir o nome da pessoa no futuro. Emily de A Lot Like Love foi taxativa: se você não está disposto a parecer um idiota, não merece se apaixonar.
E é verdade.
Não é?
Ás vezes a gente só não quer parecer idiota. Se vai perder o amor da sua vida tomando essa decisão, que seja. Tudo bem não estar pronto para a parte ruim do amor.
Tem muita gente que diz que quando dói, não pode ser amor. Dizem que o que dói é solidão, rejeição, indiferença, não amor. Não é bem verdade. Amor é combo. É um sentimento tão incrível e intenso que tem que estar disposto a tudo.
E quando a gente pega o jeito da coisa - essa que a gente chama carinhosamente de vida -, até pode ser que gostemos de uma pessoa. Rola um frio na barriga e você ri de coisas que nem tem tanta graça assim. Mas você só não vai poder lidar com o sofrimento do fim, caso ele venha. Não é covardia, é auto-proteção.
E eu entreguei meu coração. Duas vezes, em 21 anos. Me apaixonei umas dez.
As paixões foram legais. Tá. Sofri tal qual uma desgraçada quando acabou, mas todo mundo sabe dessa minha predisposição ao drama.
Mas foi bacana. Sentia toda aquela empolgação, desenhava corações em cada canto que sobrasse perto de mim quando eu dispunha de uma caneta, ouvia música brega e me identificava... As vezes o carinha me enrolava, outras eu até achava aqueles olhos verdes incríveis mas queria aproveitar o feriado na praia, outras ele fazia algum comentário bobo sobre futebol e eu decidia que não dava mais. Tudo isso só acontece quando a gente não entrega nosso coração. É a paixão amadora. Se não der certo, você liga para uns amigos e em 3 doses de tequila não sofre mais. Fica chateada, porque, quem nunca?, mas está ciente que sua vida não acabou.
Ao entregar o coração, é diferente. Você até está ciente que a pessoa pode não cuidar, mas você basicamente entrega o órgão na mão dela (o coração, ô mente poluída!) e fala: tó, faz o que quiser.
Você espera que ela cuide, mas ela pode muito bem jogar na lixeira mais próxima, quando como recebemos flyer de Trago Seu Amor De Volta Em Sete Dias (sério, não leia esse flyer, você é bonita, dá conta sozinha!). Pode nem jogar na lixeira, pode jogar direto no chão. E você além de magoada, vai ficar brava com a falta de civilidade e higiene do amado. E vai pagar mico, vai ligar pra amigo pedindo companhia para beber tequila, mas ainda vai chegar em casa triste e vai procurar no bolso o flyer para ao menos ir pedir uns conselhos pro pai de santo simpático.
Com o coração em mãos que não são as suas, você tenta enxergar diretamente por ele. Vislumbra todo um futuro que conta com uma casa de cerca branca, dois cachorros e um jardim. Possivelmente você nunca irá morar numa casa de cerca branca mas descobre que quer ou poderia querer coisas que não havia cogitado antes. Você para de querer a casa porque deve ser um inferno para limpar a tal cerca, mas dá entrada num apartamento. Você cresce. Entende porque nunca tinha entregado o coração antes.
Talvez a diferença se trate apenas do nível de envolvimento. Para mim, se trata de fé e confiança.
Eu não aposto em nada que envolva dinheiro ou meu sorriso. Me julguem. Entregar um coração envolve dinheiro (aguardando estorno de cada centavo gasto, por gentileza) e meu sorriso (existe algum tutorial que vocês mostram para bebês? Preciso lembrar como fazer).
Teoria da Cinderela, né? A gente acha que perdeu uma coisa importante demais para deixar pra lá.
E voltamos aos sapatos.
(Maiara tem 21 anos, está com dor de cotovelo e só é adepta da teoria da branca de neve)
Ps: Sei que tem gente que consegue entregar o coração por aí como se fosse bala. Não tem problema. Mas esse texto apenas não é sobre vocês e essa fé na vida que eu morro de inveja.
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